Foi em 1956 que JK inventou a “presidenta”

presidenta

Lendo o artigo de Sandra Starling no jornal “O Trem”, de Itabira, encontrei uma história muito interessante sobre a origem do termo “presidenta”, que hoje é adotado por Dilma Rousseff e por algumas outras pessoas, geralmente feministas ou alinhadas — ideológica, política ou partidariamente — com a chefe de Estado.

O que descobri, pelo texto de Sandra, é que quem oficializou o termo não foi o atual governo, mas o do também mineiro Juscelino Kubitschek. Ele não só instaurou a moda como sancionou uma lei para que ela se tornasse oficial. Vejam nas palavras da colunista:

“O Pé-de-Valsa, como o presidente era conhecido nas rodas boêmias, valeu-se de tudo para obter as boas graças femininas e tornar as funcionárias públicas mais inclinadas a aceitarem a mudança da capital [para Brasília].
Só agora vejo que ele fez mais.
Espertíssimo, também viu grande atrativo num outro truque, este, por sorte, colocado em suas mãos por um antigo seguidor de Adhemar de Barros, o senador pelo Rio de Janeiro Mozart Lago. Desde 1954, o senador, grande batalhador das causas femininas com o deputado Nelson Carneiro, pelejava para ver aprovado projeto de sua iniciativa, determinando “o uso oficial da forma feminina para designar cargos públicos ocupados por mulheres”. O projeto, depois da lengalenga usual, acabou sendo sancionado por JK em 2 de abril de 1956, tornando-se a lei federal nº 2.749. Portanto, quem inventou legalmente o designativo “presidenta” não foi Dilma Rousseff, nem os que a apoiaram com seu saber linguístico, semântico ou ideológico – como até eu pensei em 2011 –, mas nosso, meu e dela, conterrâneo JK de Oliveira. Para seduzir ainda mais as mulheres, a lei é expressa: devem ser chamadas de “presidentas” todas as funcionárias públicas, que ocupem cargos na administração direta ou indireta e que tenham por designação a palavrinha mágica.
Por aí se vê que estamos cheios de presidentas: Graça Foster, as presidentas de tribunais, como foi Carmen Lúcia no TSE, para citar apenas essas, são também legalmente presidentas tanto quanto Dilma Rousseff, por obra e graça de JK.
De quebra, como reconhecem os especialistas, todas ficam com ares de “mulheres fortes”, “duronas”, “mandonas‘‘ ou “implacáveis”, bem ao gosto do machismo dos brasileiros, como certa vez afirmou o publicitário, então bambambã, Duda Mendonça. E ganham os marqueteiros, verdadeiros mágicos, a substituir a necessária discussão política por truques televisivos, fazendo passar gato por lebre, como certamente veremos neste ano da graça de 2014.”

Uma questão engraçada que decorre dessa revelação é a seguinte: nem nossos governantes conhecem nossas leis, tantas são elas. Porque, obviamente, se Dilma e seus assessores soubessem da lei de JK, certamente teriam falado dela logo de cara, mostrando aos veículos de comunicação e a todos os outros que se mostram resistentes a chamá-la de “presidenta” (eu incluída), que, vejam só, isso é lei federal — e desde 1956!

Mas outra “moral da história” é que não se muda uma sociedade na base da canetada. Não basta fazer uma lei para que anos e anos de linguística, de hábito, de usos e costumes — de machismo, que seja — desapareçam da fala do povo. E olha que a palavra “presidenta” é dicionarizada há décadas, mas ainda não foi incorporada à fala da maioria das pessoas.

Isso vale pra qualquer coisa. A sociedade só muda por meio de longos processos, que geralmente envolvem educação. Não basta uma lei dizendo que é proibido beber e dirigir, se não houver educação desde cedo, via campanhas, fiscalização e dentro de casa, para que as pessoas enfiem isso na cabeça de verdade. Não basta dizer que racismo e homofobia são crimes graves, se não houver punição contra eles, além de bastante educação. E assim por diante.

Lembrando, claro, que não é só porque algo é lei que é necessariamente bom. Algumas leis são tão ruins que é até bom que permaneçam na obscuridade. Como aquela, dos tempos da ditadura, que trata superficialmente da ideia do terrorismo e era usada para prender manifestantes políticos. Esperemos que aconteça isso também à nova lei antiterrorismo, caso ela um dia seja aprovada.

***

Aproveito para falar que foi só graças a esse texto do JK (que traz ainda outras pérolas) que eu descobri a existência do jornal “O Trem”, que existe desde 2005 e é editado por Marcos Caldeira Mendonça, de Itabira, terra do Drummond.

O jornal está em sua 102ª edição e só é veiculado em formato impresso ou via PDF, para os assinantes que morem longe. Não tem site. Quem tiver interesse em assinar deve escrever para otremitabirano@yahoo.com.br.

A edição número 100, de dezembro, trouxe cem depoimentos de figuras incríveis que elogiaram o jornal desde seu surgimento. Tem nomes de peso como Millôr Fernandes (já falecido), Tom Zé, Ignácio de Loyola Brandão, Luiz Ruffato, Moacir Japiassu, Humberto Werneck, Thiago de Melo, Aldir Blanc, Zé Simão, Adélia Prado, Fritz Utzeri (já falecido) e Cristóvão Tezza. Só gente boa! Fica a dica de leitura 😉

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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