Vamos protestar

Já participei de alguns protestos e manifestações, como parte interessada ou cobrindo para o jornal (nesse último caso, foram muitas: Marcha da Maconha, Marcha contra a Maconha, Parada Gay duas vezes, protesto contra reitoria da USP e várias outras).

Na maioria das vezes, impera o extremismo de um lado só. É a marcha dos donos da verdade.

E, aos poucos, talvez por causa da minha profissão, fui aprendendo a ver que as verdades comportam várias versões, como a galinha aí do centro:

É o “talvez”, em seus vários matizes, que previne a gente de virar um bloco de pessoas com pensamentos idênticos, como abaixo:

Ou de cair em contradições imbecis:

Mas o que me dá mais antipatia é ver as pessoas protestando pelos motivos “errados” ou contra os destinatários errados. Explico: eu estava no supermercado anteontem e uma mulher, de uns 50 anos, acompanhada de seu filho, de uns 20 e poucos, estava fazendo um escândalo contra dois funcionários do atendimento ao cliente. Ela gritava tão alto e tão enfurecida, que era possível ouvir de qualquer ponto da loja. Fiz todas as minhas compras com ela aos berros, os funcionários tentando responder educadamente, e ela só foi embora quando eu estava na fila do caixa. Ou seja, lá ficou por pelo menos 20 minutos, esgoelando de forma desrespeitosa. Não sei qual era o motivo dela, mas acho que nada que o mercado tenha feito contra ela justifica a forma com que falava com aqueles dois funcionários. Se fosse o Abilio Diniz em pessoa, será que ela gritaria da mesma maneira? Acho que não. Só gritamos contra aqueles que têm menos poder que a gente, numa escala de hierarquia social ou econômica (no caso, os funcionários tinham que se submeter, por ela ser uma “cliente”).

Um outro funcionário da loja, que estava colocando mercadorias nas estantes, comentou: “Por que será que não vejo alguém gritar com a mesma fúria na porta do Congresso, quando estoura um caso de corrupção”? Pois é.

(Não que resolva muito. Os gregos se bateram nas ruas, aos milhares, e seu governo continuou esmagando a economia do país através de cortes de leis trabalhistas garantidas há décadas. A Primavera Árabe depôs ditadores, mas manteve o massacre… E olha que lá o povo sabe o que é protestar mesmo.)

Em Beagá, quando eu tinha uns 17 anos, participei de protesto contra o início da invasão dos EUA no Iraque. Embora fosse uma causa muito válida, da qual eu concordava com todas as minhas moléculas, fico me perguntando o que aquele punhadinho de 40 pessoas, em Minas Gerais, teria influenciado nas decisões do Pentágono e da Casa Branca.

Enquanto isso, nosso prefeito fazia estripulias que poderiam, estas sim, ter sido minimizadas com nosso grito, mas as pessoas nunca saem às ruas contra prefeitos.

Logo que entrei na UFMG, como sempre fui muito politizada, pensei em fazer parte dos diretórios acadêmicos. Mas me desiludi em menos de um mês. Motivo: lá estavam eles, sempre ligados a partidos políticos (e eu sou apartidária, como já registrei aqui), organizando um debate sobre as eleições presidenciais… dos Estados Unidos. E, naquele ano, haveria eleições para reitor da UFMG! Algo muito mais importante para nosso contexto, e eles nunca fizeram nada para tratar do assunto, pelo menos não enquanto eu estive na faculdade.

Consegui fazer política à minha maneira, longe desse pessoal do “Sim” e “Não”. E houve casos em que consegui resultados mais práticos que eles.

Vamos, sim, protestar. Mas pelos motivos “certos”, ou voltados para os destinatários certos.

 

 

 


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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

3 comments

  1. Como se os funcionários do supermercado fossem “os donos” do estabelecimento… :/

    Eu até acho válido estes protestos que levam “multidões às ruas”, mas temos algumas formas inteligentes de protestar e atingir o alvo. Lá por meados de 2007 eu criei um blog para a escola onde leciono até hoje – o http://escolamconstanca.blogspot.com.br/ – e fizemos algumas postagens ( com muitas fotos, inclusive) que mostravam problemas na infra-estrutura física do prédio escolar. A direção enviou vários ofícios para a secretaria de educação, mas essas coisas são muito lentas e esbarram na burocracia. Então o blog começou a ser acessado por muita gente – inclusive lá dentro da secretaria de educação – e chegou até uma produtora de TV que tinha espaço na BAND Bahia para exibição de um programa voltado aos servidores públicos. “Soubemos através do blog”, afirmou a repórter e uma equipe de reportagem foi lá na escola e logo a matéria foi exibida na TV.

    Pra resumir a história: até o PREFEITO João Henrique apareceu na escola. 🙂 E secretário disso, e sub-secretário daquilo, e assessor, e engenheiro, enfim…a reforma aconteceu! 😀

    E me lembrei agora da estudante que criou uma página no Facebook para denunciar alguns problemas na escola e deu ( ou está dando) o que falar.

    Apenas dois exemplos de como podemos utilizar estas ferramentas virtuais para protestos efetivos 🙂

    Abs, Cris!

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    1. É isso aí. Eu também acho que as pequenas revoluções são muito mais importantes que as gigantes, porque mais fáceis de dar resultados…
      Já escrevi sobre isso um monte de vezes: https://kikacastro.wordpress.com/2011/06/09/pequena-revolucao-no-refeitorio/
      Muito legal sua iniciativa. Me lembrou mesmo a daquela estudante do Facebook.
      E veja como a imprensa contribui para o sucesso das reivindicações, né. Por isso nada muda minha paixão pelo jornalismo 😀
      bjos

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