A crueldade no olhar da inocência

Imagine a morada/esconderijo de um rei do narcotráfico, com toda a violência esperada num ambiente assim.

Agora pense que quem descreve esse ambiente é um criança de estimados 7 anos, filho do bandido.

Você vai chegar ao ótimo livro “Festa no Covil“, dica do meu amigo Fábio Chiossi.

Toda a linguagem da história é infantil, com as limitações em vocabulário e interpretação próprias de uma criança.

Por mais esperta que seja a criança, com vocabulário “precoce”, como ela diz logo no início (suas palavras favoritas, que se repetem em várias páginas, são “patético”, “pulcro”, “fulminante”, “sórdido” e “nefasto”), as coisas do mundo adulto são, muitas vezes, enigmáticas e misteriosas para serem alcançadas por sua inocência.

E essa é justamente a graça do livro: nós entendemos o que passa desapercebido pelo narrador mirim e lamentamos por ele estar ali naquele meio e por crescer aprendendo qual a melhor maneira de matar alguém e quais os tipos de armas que existem no mundo.

Pior ainda: crescendo numa solidão imensa, tendo contato com apenas “14 ou 15” pessoas, nenhuma outra criança.

O livro ainda permite tiradas cômicas muito boas, como o trecho sobre os carecas, que já postei aqui no blog.

Enfim, é mais um livreto com potencial de virar clássico da literatura latino-americana, que já nos trouxe tantos autores maravilhosos e agora nos apresenta mais um, o mexicano Juan Pablo Villalobos.

“Festa no Covil”
Juan Pablo Villalobos
Companhia das Letras
88 páginas
De R$ 20 a R$ 29,50.

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. Cris, terminei de ler o livro. Na verdade, são 75 páginas. Letras graúdas, papel grosso. A Companhia das Letras se esforçou para que o livro ficasse encorpado.(Parece que a Unesco definiu que para ser chamado de livro, um escrito precisa ter pelo menos 52 páginas; a referência, se não me engano, é o “Manifesto Comunista”, de Engels e Marx.) Das 88 páginas de “Festa no Covil”, 13 estão praticamente em branco. Mas, sem dúvida é um grande livro. Ou um pequeno grande romance. No século 19, o editor teria buscado um bom ilustrador para enriquecer ainda mais o texto, mas isso parece em desuso atualmente, não sei o motivo. Também não fica muito clara a razão de o autor ter terminado o livro na altura em que o fez. Um dia ele vai ter que explicar isso. É preciso muita coragem para abandonar personagens como o menino Tochtli e seu pai Yolcaut no meio do caminho, a bem dizer. Charles Dickens teria escrito bem mais, umas 500 páginas, antes de dar a tarefa por concluída. Arthur Conan Doyle, se preciso, ressuscitaria Tochtli – que ainda não morreu, é verdade – e escreveria mais 10 livros com ele. Mas, ainda é cedo para saber o que fará Juan Pablo Villalobos com seu precoce, pulcro e encantador Tochtili, o menino meio que perdido, solitário e inocente, sem hipopótamos anões da Libéria, sem um sabre samurai para se defender num mundo sórdido, nefasto, fulminante, ridículo e enigmático…

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