O salário dos vereadores e o ovo da serpente

Foto de Ana Paula Umeda: http://homovisualis.com/tag/ovo-da-serpente

Texto de José de Souza Castro:

Entre as notícias que li ontem em jornal de Belo Horizonte, a que mais me surpreendeu é que os vereadores votam nesta quinta-feira, dia 9, em sessão secreta, a derrubada do veto do prefeito Márcio Lacerda (PSB) ao aumento de quase 62% no salário dos vereadores que vencerem as eleições deste ano. Não sei se é legal, mas votação secreta numa matéria dessa natureza é uma imoralidade, disso não tenho dúvida.

Os eleitores que não concordamos com a própria imoralidade do percentual de aumento aprovado pelos vereadores não teremos opção: sem saber qual deles deu seu voto para derrubar o veto, não devemos votar em nenhum deles em outubro próximo. Desse modo, nenhum deles vai se locupletar novamente com os nossos impostos.

Voto secreto no parlamento é uma questão polêmica, tanto que tramita no Senado uma emenda constitucional, a PEC 50/06, propondo o fim desse sistema de votação no Congresso Nacional. Acabando lá, não teria como persistir nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais.

O voto secreto no caso presente é imoral, porque numa cidade em que poucos ganham por mês tanto quanto o salário dos vereadores (9.288 reais), o que cada vereador custa ao contribuinte é muito mais que isso. Recorro à carta do leitor Joaquim Barbosa (certamente, não o corajoso juiz mineiro que ocupa uma vaga no Supremo Tribunal Federal). Ele afirma que, ao salário do vereador, se somam: verba indenizatória de R$ 15.000; verba de paletó de R$ 1.548; verba de gabinete de R$ 42.297; e franquia de telefone de R$ 800.

Não me perguntem se as informações de Joaquim Barbosa estão corretas. Com o nível de transparência pública da Câmara dos Vereadores, como saber?

Não sei, mas desconfio que os próprios vereadores conhecem da imoralidade da proposta de aumento salarial de 61,8%. Tanto que na sessão de 16 de dezembro passado que aprovou o reajuste absurdo, votaram apenas 25 dos 41 vereadores. Esses vereadores recebem hoje 9.288 reais de salário e, se forem reeleitos, passam a receber 15 mil reais, a partir de janeiro de 2013. A proposta foi aprovada por 22 votos a favor e três contra. Os outros, incluindo o presidente da Câmara, Léo Burguês (PSDB), fugiram daquela sessão como o diabo da cruz. Com medo não do diabo, mas do eleitor.

O reajuste deveria, no máximo, repor a inflação do período. Os matemáticos podem fazer o cálculo. O que eu sei, como aposentado, é que de janeiro de 2008 a janeiro deste ano – portanto, quatro anos – o governo petista reajustou o valor de minha aposentadoria em 27,5%. Sei que o salário mínimo foi reajustado acima disso, mas o vereador ganha salário mínimo?

Sou do tempo em que vereador de cidades do interior não tinham salário pago pelos contribuintes e os da capital ganhavam muito pouco. A situação atual começou a ser gerada a partir do golpe de 1964. A ditadura militar tinha interesse em mostrar ao povo um arremedo de democracia e, para isso, nada melhor do que ter um parlamento funcionando (e cassando os que não percebiam que aquilo não era para valer). A ditadura tinha também interesse em manter o parlamento num nível elevado de descrédito público. Para isso, nada melhor do que deixar que embolsassem parte significativa do tributo pago pela sofrida população.

E por que a situação piorou na democracia? Porque os políticos gostaram. Experimentaram o melado e se lambuzaram. E pouco se importam de que, desse modo, estão proporcionando calor ao choco do ovo da serpente – e a uma nova ditadura, que virá quando a maioria do povo se cansar de sustentar tais parlamentos.

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

2 comentários

  1. Menos mal. Notícia do site dos Diários Associados de Minas, agora há pouco:

    Vereadores de BH mantêm veto a reajuste salarial de 61,8%
    Os parlamentares, em sua maioria, alegaram que optaram por ouvir a ” a voz da sociedade” e mantiveram o veto do prefeito Marcio Lacerda ao reajuste de 61,8%

    Marcelo Ernesto
    Publicação: 09/02/2012 17:30 Atualização: 09/02/2012 18:36
    Após uma sessão bastante tumultuada e concorrida, a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) decidiu manter o veto ao reajuste de 61,8% aos vereadores da capital. Assim que o vice-presidente da casa, vereador Alexandre Gomes (PSDB), anunciou o placar da votação, os manifestantes que ocupavam as galerias da Casa começaram a entoar a “Marchinha da Coxinha” e, na sequência, o hino nacional brasileiro. Durante a tarde, os parlamentares, em sua maioria, se revezaram no discurso diante dos colegas para defender que o projeto de lei que estabelece o novo vencimento para a próxima legislatura fosse rejeitado na Casa.

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