Dez horas de aventuras, a caminho do mar!

A pedra da boca, no caminho de Mucuri (tem uma boca esculpida pelo vento na parte de baixo dela). (Foto: CMC)

No post de ontem eu falei sobre as viagens de carros para o sul da Bahia, que gastavam cerca de dez horas.

E vou te falar: eu gostava delas. Eram parte das férias. Se houvesse aeroporto em Mucuri e fôssemos de avião, dificilmente seria a mesma coisa.

A gente tinha que madrugar, acordar quando ainda era noite e o corpo ficava funcionando como se estivesse em alerta vermelho, em sinal de emergência.

Daí dormíamos a maior parte da manhã, esparramados no bando do carro (menos meu pai, tadinho, que tinha que dirigir todo o trajeto em estradas bem perigosas).

Parávamos três vezes (quando eu era criança, tinha que ser mais frequente). Na primeira, mais perto de Beagá, comíamos um pão de queijo bem gostoso com café. No almoço, em Naque, a comida era bem razoável, na churrascaria Encantado. Na terceira, em Teófilo Otoni, o calor já devia estar pregando o corpo e o apelo era por uma água de côco ou um picolé.

No caminho, sempre rolavam os deliciosos chips da Elma Chips, que eu adoro. Embora a gente também já tenha feito sanduíches e tudo o mais.

E havia a disputa pelas fitas k7. As figurinhas fáceis eram Legião, Rita Lee e Cazuza. Mas sempre tinha alguma banda bem ruim. Na últimas vezes, em que viajei só com meus pais, comandei o som com alguns rocks e blues palatáveis, e MPB.

Em Nanuque e no começo da estrada da Bahia, havia o trecho mais complicado. O asfalto com crateras gigantes e o carro não podia passar de uns 20 km/h, entrando inclusive na contramão, pra conseguir desviar daquele solo lunar.

E a chegada! Quando avistávamos as plantações de eucalipto (aquela região é famosa pelas fábricas de papel), já me dava a satisfação de saber que só faltaria mais uma horinha de chão para respirar aquele ar denso e quente da maresia baiana. A expectativa crescia, feliz!

Os eucaliptos! (Foto: CMC)

Passei 15 anos da minha vida indo para Mucuri com a família. A viagem de carro é parte forte das minhas lembranças (a da ida, claro. Na volta, você só quer chegar logo). É aquele gosto de expectativa, prolongadíssima pelo tempo da viagem.

Nos tempos normais, durava dez horas. Com atrasos e pneus furados, chegava a 12 horas. Mas, certa vez, optamos por ir pela BR 101, passando por Vitória. Algum filho de deus tinha dito aos meus pais que a quilometragem maior era compensada pelas melhores condições das estradas do que aquelas encontradas nas péssimas rodovias MG (que são mesmo péssimas, das piores do Brasil).

Mas o desvio, por si só, já era muito longo. E estávamos em dois carros (família grande…) e aconteceu o que todos temíamos: um carro se perdeu do outro. Lembro até hoje de estar no carro do meu pai e ele desesperado andando de um lado pro outro na BR 101, em busca do carro da minha mãe. O vidro todo abaixado, o ventão forte batendo na minha cara e eu, sem mal conseguir abrir o olho, tentando enxergar o Uno.

(Como já devem ter notado, naquela época não havia celular.)

Só nos restava andar prum lado e pro outro, e ela fazendo o mesmo, no que deve ter durado uma hora até todos se encontrarem. A viagem total levou 16 horas.

Tenho dez milhões de lembranças de Mucuri, de todos os tipos (trilha dos caranguejos, piscina natural, bancos de areia que eu imaginava serem ilhas de piratas, axé que criei aos dez anos, famílias de conchinhas, baralho à luz de velas, leituras na rede à tarde, sorvete da Yupi, carnaval lotado, praias próximas, caminhadas à beira do mar etc etc), e me dói no coração pensar que faz um tempo grande que não vou para lá, por falta de férias, e é provável que a gente deixe de ir a partir deste ano. Muito por causa da fúria do mar, que destruiu boa parte da costa da praia, levando casas, investimentos, turistas e memórias… É o aquecimento global, gente 😦

Minhas férias de infância eram prosaicas, mas valiam por mil aventuras, desde a longa viagem de carro. E eu tinha a melhor companhia de todas, minha família 🙂

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

10 comentários

  1. Oi Cris, só pra lhe informar que acabamos de chegar de Mucuri e as praias lá continuam tão boas como antes… Houve apenas um pequeno deslocamento devido à furia do mar, como vc diz… Mudamos de lugar passando a frequentar outro trecho da praia, novas barracas mas ainda continua valendo a pena ir lá pra descansar … relaxar… apesar da enorme distância a percorrer saindo de BH.

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  2. Boa descrição, Cris. Faltou dizer que, nas primeiras viagens, suas músicas preferidas eram as da Turma da Xuxa, e não era fácil para sua mãe administrar as preferências, pois sua irmã mais nova era cinco anos mais velha que você. Mas não demorou muitos anos e seu gosto musical era o mesmo dos outros irmãos (acho que continua assim até hoje, embora tudo o mais tenha mudado, com o rápido passar do tempo).

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  3. Realmente essas viagens não teriam o mesmo sabor se fossem realizadas de forma mais prática.
    Viagens assim devem ser curtidas (normalmente quem dirige curte menos…rsss) e algumas horas de estrada significam muitas horas de histórias e lugares para relatar.

    Bjos.

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  4. Com certeza!
    Certa vez participei de saga de 10 horas para chegar ao litoral Norte de SP (normalmente faríamos em até 3 !) .
    Se eu não estivesse com uma boa companhia para conversar e de boa música (tocamos tudo do Lynyrd Skynyrd e Bad Company), talvez tudo seria visto até hoje como tortura.
    Mas valeu e muito!

    Bjos

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  5. Adivinha!
    30 de Dezembro de 1998. Trânsito infernal, além de uma tempa de radiador do carro que estourou…rsss
    Mas esqueci de falar de outro ponto positivo dessa saga: o carro de outro amigo foi com a bagagem. A caixa com gelo, cerveja, refrigerante e Bacardi ficou no carro que eu estava! 😀

    Bjos

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