A morte de um sábio e a sombra que ele deixou

Reprodução / Facebook
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Estou triste pela morte de Rubem Alves. Felizmente, ele trata do tema “morte” em várias páginas de seus livros. Sua visão da morte é, como em todas as suas visões, de uma sabedoria sem fim. Sábio, sábio Rubem Alves. Vou lá ler suas palavras para me consolar com sua eternidade literária.

Enquanto isso, deixo aqui recomendado que leiam os dois posts em que escrevi sobre Rubem Alves aqui no blog.

O primeiro é o “Memórias de um sábio — e a solidão infantil”. CLIQUE AQUI para ler.

O segundo, que pode ser visto AQUI, é a resenha de outro livro dele de que gostei muitíssimo, “Ostra Feliz Não Faz Pérola”. Abaixo, um dos continhos que lá encontrei e que iluminaram minha mente:

“Viviam, num país do oriente, cinco cegos que mendigavam juntos à beira de um caminho. Eram amigos em virtude de seu infortúnio comum. Todos tinham um grande desejo. Já haviam ouvido falar de um animal extraordinário, enorme, chamado elefante. Tão maravilhoso era o dito animal que muitos afirmavam que ele era divino. Mas eles, pobres cegos, nunca haviam estado com um elefante. Ah! Como gostariam de conhecer um elefante. Aconteceu, porque Alá ouviu suas preces, que um domador de elefantes foi por aquele caminho conduzindo seu animal. Foi uma festa! A criançada gritando, homens e mulheres falando. Ouvindo tal rebuliço os cegos perguntaram: ” O que está acontecendo?” “Um elefante, um elefante”, responderam. Eles se encheram de alegria e pediram ao domador que os deixassem tocar o elefante, já que ver não podiam. O domador parou o animal e os cegos se aproximaram. Um deles foi pela traseira, agarrou o rabo do elefante e ficou encantado. O segundo foi pelo lado, abraçou uma perna e ficou encantado. O terceiro apalpou o lado do elefante e ficou encantado. O quarto passou as mãos nas orelhas do elefante e ficou encantado. E o último segurou a tromba e ficou encantado. Ido o elefante os cegos começaram a conversar. “Quem diria que o elefante é como uma corda!”, disse o primeiro. “Corda coisa nenhuma”, disse o segundo. ” É como uma palmeira”. “Vocês estão loucos”, disse o terceiro. ” O elefante é como um muro muito alto.” “Vocês não são só cegos dos olhos”, disse o quarto. ” São também cegos da cabeça. Pois é claro que o elefante é como um ventarola.” ” Doidos, doidos”, disse o quinto. ” O elefante é como uma cobra enorme…” Por mais que conversassem eles não conseguiram chegar a um acordo. Começaram a brigar. Separaram-se. E cada um deles formou uma seita religiosa diferente: a seita do deus-corda, a seita do deus-palmeira, a seita do deus-parede, a seita do deus-ventarola, a seita do deus-cobra… Assim são as religiões.”

Rubem Alves não era só um escritor. Era um homem completo em seus 80 anos nesta Terra: pedagogo, poeta, filósofo, cronista, contador de histórias, ensaísta, teólogo, acadêmico, palestrante, autor de livros para crianças e psicanalista. É possível conhecer um pouco de sua carreira AQUI. Era um verdadeiro pensador, dos raros que existem no Brasil. Era bem-humorado, era simples. Fará falta nas páginas dos jornais e nas estantes das livrarias. Agora aguardo ansiosamente pelo surgimento de novos sábios como Rubem Alves, para nos trazer um pouco de alívio e frescor em meio ao blablabá conservador, irracional, extremista, radical, mal-humorado e politicamente correto que assombra nossos tempos modernos.

Leia abaixo:

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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