Fiquei doida para ler Han Kang desde que ela ganhou o Nobel de Literatura. Sempre gosto de conhecer as obras dos laureados com esse prêmio tão importante, mas mais ainda quando é uma escritora.
Vale lembrar que apenas 18 mulheres já receberam esse prêmio, dentre os 121 agraciados – ou seja, só 15% do total. (Ultimamente, para nosso sorte, o Nobel tem se tornado mais equilibrado, com 9 escritoras mulheres laureadas nos últimos 20 anos.)
Recebi de uma amiga os PDFs de três obras dela que já foram traduzidas para o português, todas publicadas pela editora Todavia: “A Vegetariana“, “Atos Humanos” e “O Livro Branco“. Como não gosto de ler livros em telas, conferi apenas o início de cada documento, para entender qual me parecia mais atraente, e entrei na fila de espera da melhor biblioteca de BH para pegar emprestado meu favorito (havia sete pessoas na minha frente!).
Quando “A Vegetariana” ficou disponível, e comecei sua leitura, me vi sugada para dentro do livro – como não me acontecia há muito tempo.
Devorei as duas primeiras partes da história (114 páginas) em um único dia, mesmo com sessão de cinema no meio do caminho. Não conseguia parar de ler, em todas as ocasiões que tive oportunidade.
A história gira em torno de Yeonghye, a mulher que decide subitamente tornar-se vegetariana. Essa decisão impacta a vida de todos ao redor dela, de uma maneira trágica. E essa história, curiosamente, nunca é contada a partir do ponto de vista de sua protagonista, mas desses outros que estão ao seu redor:
- a primeira parte (“A vegetariana”), em primeira pessoa, é narrada pelo marido;
- a segunda parte (“A mancha mongólica”), em terceira pessoa, traz a visão do cunhado;
- e a terceira e última parte (“Árvores em chamas”), também em terceira pessoa, comporta a perspectiva da irmã.
Essa decisão de não dar voz diretamente a Yeonghye contribui para aumentar o suspense da história, porque nos vemos tão perdidos quanto os outros personagens, tentando entender as ações e motivações da vegetariana, e captando migalhas de suas ideias a partir das conjecturas dos outros.
O que acontece e o quão trágicos são esses acontecimentos, obviamente, não vou trazer a este post, para não estragar as surpresas dos leitores. O que posso dizer é que não são exagerados os adjetivos escolhidos para descrever este livro na orelha e contracapa. Entre eles: perturbador, único, atordoante, aterrador, impactante.
Eu usei duas dessas palavras para resumir minha ânsia de ler tudo logo no primeiro dia: perturbador e instigante. Deixei para terminar a terceira parte da história – mais dolorida e penosa – no dia seguinte. E foi rápido assim que acabei a leitura, com um caroço na garganta, ainda tentando decifrar toda aquela fábula.
Para mim, foi uma fábula sobre como uma decisão pode desandar uma vida inteira. Ou melhor: como a incapacidade de os outros aceitarem uma decisão pode levar a esse colapso geral. Porque a decisão, em si, é uma coisa íntima e inegociável. Mas teimamos em querer que os outros façam aquilo que nós – nós! – consideramos ser mais razoável.
Mas esta é uma parte da história, que também é sobre traumas de infância, sobre resignação/resistência e emancipação/insubmissão, sobre a liberdade de escolha e autonomia, opressão e violência, culpa e medo, vida e morte. E também sobre o limiar entre sanidade e loucura.

Goste-se ou não de um livro que trata de assuntos tão aflitivos, inclusive com descrições bastante explícitas, o fato é que a escrita de Han Kang, 54, a mais recente prêmio Nobel de literatura, é poderosa. Ou intensa, como foi dito na justificativa para o prêmio: “pela sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana“.
Vale a pena conhecer esse universo de sonhos – ou pesadelos – que ela criou aos 37 anos e que a tornou famosa em todo o mundo.
A Vegetariana
Han Kang
Ed. Todavia
171 páginas
R$ 56,10 na Amazon (preço consultado na data do post, sujeito a alteração)
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