Milton Santos e o jovem negro acusado de roubar bicicleta no Leblon
Texto escrito por José de Souza Castro:

Há 20 anos, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, o geógrafo Milton Santos contou que, em voos internacionais de empresas brasileiras, a tripulação falava com ele em inglês, porque não podia imaginar que um brasileiro negro estivesse sentado confortavelmente na primeira classe do avião. Essa informação pode ser lida nesta quarta-feira na coluna de Elio Gaspari, que comentou o caso do negro abordado no Leblon por um casal de jovens brancos que suspeitava que ele não poderia ser dono de uma bicicleta elétrica parecida com a que tinha sido roubada deles.
Matheus Nunes Ribeiro, instrutor de surfe, provou que a bicicleta era sua, filmou os agressores, xingou-os de racistas e divulgou o vídeo, que bombou na internet. E já houve consequências: a polícia abriu inquérito para investigar o casal, e eles foram demitidos de seus respectivos empregos.
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Geógrafo importante, que viveu na França por muitos anos e, depois de se aposentar continuava trabalhando, dando aulas nos cursos de mestrado e doutorado da Universidade de São Paulo, Milton Santos revelou em 2001 que, tal como os outros negros brasileiros, tinha medo de entrar num restaurante chique no Brasil. E não só por causa da discriminação:
“Discriminação tem nos Estados Unidos, só que lá o negro iria quebrar o restaurante, o que seria considerado justo; aqui a polícia seria convocada para conter qualquer manifestação. Eu me lembro de duas pessoas importantes, o Florestan Fernandes e Celso Furtado, em duas ocasiões diferentes, uma em Nova York e outra em Paris, de onde ambos me disseram: daqui a alguns anos vamos ter no Brasil reações muito violentas da parte dos negros em relação à situação em que eles se encontram. Isso eles me disseram há vinte anos”, espantou-se Milton Santos.
Mas ele também se mostrou esperançoso:
“Está perto de acontecer, espero que aconteça. Creio que inclusive processos como o da distribuição da educação vão ajudar porque os negros que conseguem estudar descobrem que não têm igual acesso às oportunidades e, sobretudo, eles sabem que raramente estarão em grandes escolas. Há algo que vai acelerar. São grupos poucos numerosos e alguns deles se deixam cooptar de uma forma ou de outra. Mas essa cooptação vai se tornar impossível daqui a algum tempo e daí o vaticínio de Florestan Fernandes e Celso Furtado vai se realizar”, afirmou o geólogo.
Milton Santos não teve tempo para confirmar o vaticínio, pois morreu no dia 24 de junho de 2001, seis meses depois da entrevista.
Apesar de sua extensa experiência, tendo sido professor universitário em Paris, Toronto e São Paulo, e de ter publicado mais de 40 livros no Brasil, França, Reino Unido, Portugal, Japão e Espanha, ele não tinha como prever o advento do governo Bolsonaro e sua carga de ódio e atraso. Atraso inclusive em processos como o da distribuição da educação.
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Cristina Moreno de Castro Ver tudo
Mineira de Beagá, jornalista, blogueira, poeta, blueseira, atleticana, otimista, aprendendo a ser mãe. Redes: www.facebook.com/blogdakikacastro, twitter.com/kikacastro www.goodreads.com/kikacastro. Mais blog: http://www.otempo.com.br/blogs/19.180341 e http://www.brasilpost.com.br/cristina-moreno-de-castro
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