Para ver no cinema: NEBRASKA
Nota 9
“O que você vai fazer com seu US$ 1 milhão?”
Quem nunca se perguntou isso? Ao preencher os seis números da Mega Sena ou entrar em um bolão de um prêmio qualquer, todo mundo se pega sonhando com o momento em que a conta bancária, subitamente e sem esforços, amanheceria com mais zeros do que tinha na véspera. E o que você faria se, de repente, tivesse acesso a esse dinheiro com o qual, até então, nunca pudera sonhar?
Woody Grant tem dois sonhos bem baratos perto dessa fortuna: comprar uma caminhonete (se for uma de luxo, sai a meros US$ 29.500) e um compressor de ar (a partir de US$ 49).
Com ralos cabelos brancos, memória rasa como um minuto e problemas de alcoolismo, é difícil saber qual é a idade do ranzinza Grant. Pode bem ter passado dos 85 e parece viver no vazio de uma rotina acomodada, agravado pelo esquecimento constante. Até ser sacudido pela promessa (real?) de ganhar US$ 1 milhão.
O que vemos nas quase duas horas seguintes é um filme de pé na estrada, o road movie, que geralmente traz consigo várias histórias de descobertas, aprendizado etc. Mas este filme não tem a pretensão de ser superprofundo ou triste. É uma comédia dramática e provoca boas risadas em alguns momentos. É bonito de se ver, tocante. Trata das relações entre pai e filho, de amizades e falsas amizades, de família e, por fim, de fé. Grant é o homem que acredita no que lhe contam. Bom seria se todos tivessem essa inocência.
Os atores do filme — em sua maioria velhinhos, como Grant — são um espetáculo à parte. O protagonista é interpretado por Bruce Dern, que concorre ao Oscar de melhor ator. Sua mulher, a desbocada Kate, é June Squibb (também indicada à estatueta de melhor atriz coadjuvante). O filho que aposta no sonho de Grant é vivido por Will Forte. O filme também concorre ao Oscar de melhor filme, melhor direção (de Alexander Payne, que dirigiu o excelente Sideways), melhor roteiro original (de Bob Nelson) e melhor fotografia (do experiente Phedon Papamichael, responsável pela câmera de mais de 50 filmes, como À Procura da Felicidade, W., Patch Adams e Sideways).
Aqui, cabe um aplauso especial à fotografia. A opção pelo filme em preto e branco, tão em desuso, não poderia ter sido mais acertada. Os contrastes de luz — que começam nas rugas da pele dos principais personagens (como se vê na foto acima) e terminam nas montanhas distantes, na estrada a perder de vista e nas muitas nuvens da paisagem — são explorados de uma forma mágica. Em vários momentos eu me pegava exclamando: “Que fotografia bonita!” Tudo parecia um álbum de família antigo, contribuindo para a ideia geral do filme: os vários irmãos reunidos na sala, estáticos, prestando atenção ao jogo na TV; o cemitério; o jornal; a casa de infância cheia de poeira e cadeiras quebradas. Espero que ganhe o Oscar ao menos nessa categoria.
Já o roteiro, simples e leve, sobre a história do filho que vai levar o pai de Montana até o Nebraska para buscar o tal prêmio, esconde várias reflexões que vão se abrindo como as montanhas do centro norte-americano. A que me penetrou com mais afinco foi a seguinte: se a vida é tão curta — como é — devemos correr para realizar nossos sonhos enquanto é tempo. E, se pudermos, realizar também os sonhos daqueles que amamos, como nossos pais. Além do mais, após realizado, devemos ter novos sonhos — porque eles alimentam nossa alma, rejuvenescem, e dão sentido ao doloroso trabalho de viver.
Leia sobre outros filmes do Oscar 2014:
- Trapaça – nota 7
- Capitão Phillips – nota 9
- A menina que roubava livros – nota 8
- O Lobo de Wall Street — nota 9
- Blue Jasmine – nota 5
- Ela — nota 9
- 12 anos de escravidão – nota 9
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