O Livro das Semelhanças, de Ana Martins Marques: leia minha resenha

Poema d'O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques
Poema d'O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques

Como comentei por aqui no ano passado, praticamente não tenho lido mais poemas. Nem pareço aquela leitora voraz de Carlos Drummond de Andrade (a quem sempre chamei de Dru-dru), de Cecília Meireles ou que criou até comunidade de Orkut em homenagem ao Iacyr Anderson Freitas.

(Bom, se eu mudei tanto ao longo dos anos, há de se esperar que meus gostos literários também tenham mudado, não é mesmo?)

O Livro das Semelhanças” só caiu em minhas mãos porque eu estava querendo conhecer as obras brasileiras consideradas as melhores do século 21 naquela lista que divulguei aqui há alguns meses.

Quando reservei na biblioteca, nem sabia que se tratava de um livro de poemas. Quando vi que a autora era Ana Martins Marques, nem sabia que ela era minha conterrânea de Belo Horizonte (assim como a Flávia Lamary, última poeta que eu tinha lido).

Eu tinha acabado de sair de outra leitura muito truncada. Um livro que era até bom, de uma autora que escreve bem, mas que definitivamente precisava de uma edição, sabem? Totalmente repetitivo, em todos os sentidos, e meu lado editora de textos concluiu aquela leitura decepcionada.

Por isso, foi um alívio – quase um remédio – ler em seguida este livro conciso, afiado, com as palavras em seus devidos lugares, com nenhuma sobra.

Não que a gente não precise de certo tempo para sorver aqueles poemas distribuídos em 108 páginas: algumas frases são tão geniais, que fiquei passeando por elas por alguns minutos, como quem rola uma bala gostosa de um lado para o outro da boca.

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Vou tentar pinçar alguns exemplos ao acaso:

Da primeira parte, “Livro”:

“o dia: contas a pagar
correspondência atrasada
congestionamentos
xícaras sujas”

***

“Sempre gostei dos livros
chamados poemas reunidos
pela ideia de festa ou de quermesse
como se os poemas se encontrassem”

Da terceira parte, que brinca com as palavras até mais do que as outras, “Visitas ao lugar-comum”:

“Dobrar a língua
e ao desdobrá-la
deixar cair
uma a uma
palavras não ditas”

***

“Perder a cabeça
e então buscá-la
nos últimos lugares
onde esteve
dentro da touca
de banho
sobre o travesseiro
entre os joelhos
entre as mãos
na casa demolida
da infância
sobre suas coxas
mornas
ainda”

Da quarta e última parte, “O livro das semelhanças”:

“mas não podemos proteger com o corpo
um outro corpo do envelhecimento”

***

“É bom lembrar lembranças dos outros
como quem se oferece para carregar as compras do supermercado (…)

é bom encontrar uma vez ou outra pessoas
que conhecemos na infância
é bom nos esforçarmos por um tempo
para parecer com a lembrança delas”

***

“Pense em quantos anos foram necessários para chegarmos a este ano
quantas cidades para chegar a esta cidade
e quantas mães, todas mortas, até tua mãe
quantas línguas até que a língua fosse esta (…)”

***

“O passado anda atrás de nós
como os detetives os cobradores os ladrões”

***

“Há estes dias em que pressentimos na casa
a ruína da casa
e no corpo
a morte do corpo
e no amor
o fim do amor
(…) não são coisas que se expliquem
apenas são dias em que de repente sabemos
o que sempre soubemos e todos sabem
que a madeira é apenas o que vem logo antes
da cinza”

***

“ter a cada dia que escolher as calças
e a cara
que poremos”

Sobre o que existe no peito de quem nasce e mora em Minas Gerais: 

“o silêncio
elementar
dos metais”

E ainda tem o poema Mar, também muito bom, tanto que é difícil tirar só um trechinho dele. Mas não quero transcrever poemas inteiros aqui… Até porque são muitos que fazem a gente pensar, seja pelo conteúdo ou pela forma – ou pelos dois. Melhor vocês mesmos irem a uma biblioteca ou livraria, e pegarem este livro para sorver cada verso com calma também.

Afinal, como bem sabia a sabedoria jovem da Cris de vinte anos atrás, algumas coisas só são possíveis de dizer e sentir por meio dos poemas.

***

P.S. Neste dia 31 de outubro, celebramos o Dia Nacional da Poesia. E a data foi escolhida por ser o dia do aniversário do grande Dru-dru 😉

 

O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques“O Livro das Semelhanças”
Ana Martins Marques
Companhia das Letras
108 páginas
R$ 45,27 na Amazon (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)

 

Como comprar o livro de crônicas (Con)vivências, de Cristina Moreno de Castro, do blog da kikacastro.

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

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