- Texto escrito por Cristina Moreno de Castro
Eu estava conversando com o Luiz sobre os assuntos da escola, no trajeto que fazemos toda noite na volta pra casa após a aula, quando, ao virar uma curva, demos de cara com uma moto imensa, na calçada, andando em velocidade de rua, quase encostando em nós dois.
Imediatamente dei um berro de susto. Não me vi no espelho, mas imagino que tenha ficado branca, porque com certeza fiquei gelada e tremendo e com o coração disparado. Minha reação mais urgente, além de gritar, foi colocar a mão sobre o peito do Luiz, como que para protegê-lo, como se fosse possível proteger alguém de um atropelamento assim.
O motociclista, em vez de se desculpar por estar trafegando numa calçada e quase ter nos matado (no mínimo de susto), aparecendo com um monstrengo de faróis acesos numa curva, ficou ofendido – é isso mesmo que você leu, OFENDIDO –, como se eu tivesse xingado a mãe dele. Gritou para mim: “Não vou passar por cima de você, não!”
Não bastasse isso, um motorista que estava preso no trânsito (do asfalto mesmo, não da calçada), também soltou uma pérola em tom irônico: “Que desespero, hein”.
Ah, meus amigos, me desculpem! Me desculpem por ter incomodado vocês na hora do rush com meu susto desesperado, viu? Da próxima vez vou tentar lembrar de dar uma risada, ou quem sabe até aplaudir, em vez de soltar um berro de surpresa quando uma moto quase atropelar meu filho e eu na curva da calçada! Rá rá rá, mas vou rir muito! Quem sabe talvez eu até AGRADEÇA ao motociclista por não ter nos atropelado, né?
Mas com certeza, definitivamente, não vou de jeito nenhum, nunca mais, é gritar de susto, porque isso é “desespero demais” aos olhos de quem tá assistindo a tudo sentadinho no banco macio do carro, de camarote, comendo pipoca. Pra essas pessoas, sou só uma mulher escandalosa, uma amalucada, uma doida varrida, que grita com os motociclistas na rua sem quê nem pra quê.
Sério, gente: onde é que foi parar a empatia no mundo? Será que ainda sobrou alguém com coração por aí? Fomos embora pra casa, ainda tremendo e atordoados, com esses pensamentos na cabeça.

Não pude deixar de lembrar de uma cena que eu tinha presenciado poucos dias antes. Naquela vez, era eu a pessoa assistindo de camarote. E quem levava o susto era outra mãe, acompanhada de seu filho.
O garotinho, pequetito, não devia ter mais que 2 anos. Vinha correndo desabalado morro abaixo, no sentido contrário ao que eu subia. Uma moto, saindo de uma garagem, o surpreendeu no meio do caminho.
A mãe gritou, apavorada.
Nada aconteceu, a moto não chegou a encostar na criança, mas todos os pelos do meu corpo se arrepiaram de empatia com o susto daquela mãe.
Ela vinha correndo atrás do filho e falando, nervosa:
“Viu! A moto quase te atropelou! Não pode sair correndo assim! Tem que tomar cuidado com a garagem!”
E o menininho ficou parado, com os olhos arregalados, a boca aberta num grande “O” de susto, como se, pela primeira vez, considerasse a ideia espantosa, inédita, de que a sua vida, ainda tão curta, pudesse ser finita.
“Dá a mão à mamãe, dá”, disse a voz mais tranquila da mulher, diante do alívio. E ele deu a mão à mãe (talvez esperando estar, assim, protegido para sempre).
Já eu segui meu caminho, agradecida pelo final feliz desta história – e nada ofendida pelo desespero da minha colega de sustos maternos –, em direção à escola do meu filho, esperando encontrá-lo bem, vivo e saudável, para podermos depois chegar em casa sem nenhuma intercorrência no nosso caminho pedestre.
***
P.S. Queridos motociclistas: sei que a vida de muitos de vocês, que trabalham com entregas, é corrida e às vezes até desumana. Mas, por favor, não desviem dos congestionamentos pelas calçadas. Pode acontecer um acidente, uma tragédia (porque elas acontecem com mais frequência do que vocês imaginam), e isso sem dúvida vai acabar com a vida de alguém, inclusive com a de vocês, que nunca vão se perdoar por isso.
Por favor, compartilhe este texto com os motociclistas que você conhece!
P.S.2. O Código de Trânsito Brasileiro diz que é infração gravíssima (sujeita a multa de R$ 880,41 e 7 pontos na carteira) “transitar com o veículo em calçadas, passeios, passarelas, ciclovias, ciclofaixas [etc]”. Está no artigo 193. A mesma lei define “calçada” como “parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins”.
Leia também:
- O dia em que quase fui atropelada (e as 6 lições que aprendi)
- Resgatando uma campanha pelo respeito aos pedestres no trânsito
- O pedestre estava certo
- Minhas soluções contra a licença para matar (de carro)
- Um laboratório de tipos humanos
- A briga da esquina e os três finais possíveis
➡ Quer reproduzir este ou outro conteúdo do meu blog em seu site? Tudo bem!, desde que cite a fonte (texto de Cristina Moreno de Castro, publicado no blog kikacastro.com.br) e coloque um link para o post original, combinado? Se quiser reproduzir o texto em algum livro didático ou outra publicação impressa, por favor, entre em contato para combinar.
➡ Quer receber os novos posts por email? É gratuito! Veja como é simples ASSINAR o blog! Saiba também como ANUNCIAR no blog e como CONTRIBUIR conosco! E, sempre que quiser, ENTRE EM CONTATO 😉
Descubra mais sobre blog da kikacastro
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.





Isso é que é fazer do limão uma limonada, Cris. Conta um caso que nos preocupa muito e aproveita para informar bem sobre os direitos dos pedestres e o risco que também o invasor corre ao desobedecer a lei de trânsito.
CurtirCurtir
Pelo menos o susto rendeu uma limonada então 🙂
CurtirCurtir