- Texto escrito por Cristina Moreno de Castro
Como vocês viram na semana passada, gostei demais do filme “A Vida de Chuck“. Tanto, que decidi ler o livro do Stephen King que tem o conto homônimo no qual ele se baseia.
Fiquei impressionada com o tanto que o filme foi fiel ao livro. Cheguei a reconhecer frases inteiras em minha leitura, mesmo dias depois de ter ido ao cinema. Mas uma coisa não estava no original: o diretor e roteirista Mike Flanagan tomou a liberdade de incluir o calendário cósmico na história.
Esse recurso didático, proposto por Carl Sagan na década de 1970, aparece em dois momentos do filme. Em um deles, o professor Marty (Chiwetel Ejiofor) explica esse conceito ao telefone para a ex-mulher Felicia (Karen Gillan).

Em outro, Chuck e o avô estão na sala vendo na TV o programa “Cosmos”, de Carl Sagan, em que ele explica sobre o calendário cósmico (no livro, estão assistindo a um jogo de beisebol), e o avô acaba deixando escapar um segredo.
Se não me falha a memória, este trecho abaixo do programa é o que aparece no filme, ou outro bem parecido:
Mesmo que King não tenha tido essa ideia na história original, achei muito boa a sacada do diretor de inserir o calendário de Carl Sagan numa história que, de certa forma, trata da imensidão de universos dentro da vida de cada um de nós. O calendário cósmico, afinal, equilibra essa ideia ao mostrar que somos – a humanidade inteira – uma parte ínfima da história do universo.
E esse paradoxo de sermos tão complexos e tão insignificantes, ao mesmo tempo, ajudou o filme a ficar tão bom 🙂
Afinal, o que é o calendário cósmico?
Para quem ainda não teve paciência de assistir ao vídeo de 5 minutos que coloquei acima, trago aqui uma pequena explicação em forma de texto. O calendário cósmico é uma metáfora que Carl Sagan criou para nos dar a dimensão da história do universo, em uma escala de tempo que a gente consegue assimilar.
Todas aquelas medidas em bilhões e milhões de anos, que são difíceis de processar com nossos cérebros de poucas décadas, ele reduziu para um período de 1 ano do calendário gregoriano. O resto é regra de 3 simples:
- se 15 bilhões de anos (que é a idade aproximada do universo) é igual a 365 dias,
- 1 mês do calendário equivale a 1 bilhão e 250 milhões de anos,
- 1 dia representa 40 milhões de anos
- e 1 segundo, 500 anos da nossa história.
Assim, como explica Sagan no vídeo:
- Se o universo começou em 1 de janeiro, a Via Láctea foi formada só em maio.
- O nosso Sol e a nossa Terra só vieram ao mundo em meados de setembro.
- Os primeiros humanos fizeram a sua estreia por volta de 22h30 de 31 de dezembro.
- Às 23h46 do dia 31 de dezembro, os humanos dominaram o fogo.
- Às 23h59 e 20 segundos, começa a domesticação de plantas e animais.
- Às 23h59m35, surgem as primeiras cidades.
- Nossa época atual é o último segundo de 31 de dezembro.
| Dia | Hora | Evento |
| 1 de janeiro | 0h00 | Big Bang, surgimento do universo |
| 1 de maio | Surge a Via Láctea, nossa galáxia | |
| 9 de setembro | Origem do Sistema Solar | |
| 14 de setembro | Início da formação do Planeta Terra | |
| 25 de setembro | Surge a vida na Terra | |
| 1 de dezembro | Atmosfera da Terra começa a ficar rica em oxigênio | |
| 19 de dezembro | Primeiros peixes e vertebrados | |
| 21 de dezembro | Primeiros insetos | |
| 22 de dezembro | Primeiros anfíbios | |
| 23 de dezembro | Primeiras árvores, primeiros répteis | |
| 24 de dezembro | Surgem os dinossauros | |
| 28 de dezembro | Os primeiros primatas aparecem | |
| 29 de dezembro | Primeiros hominídeos | |
| 31 de dezembro | 22h30 | Surgem os primeiros seres humanos modernos |
| 31 de dezembro | 23h46 | O homem descobre como produzir fogo |
| 31 de dezembro | 23h59m51 | Invenção do alfabeto |
| 31 de dezembro | 23h59m56 | Nascimento de Cristo |
| 31 de dezembro | 23h59m59 | Viagens do descobrimento pelos europeus |
“Nós humanos aparecemos no calendário cósmico tão recentemente que a nossa história registrada ocupa apenas os últimos segundos do último minuto de 31 de dezembro. (…) Toda pessoa de quem ouvimos falar viveu em algum lugar aí dentro. Todos os reis e batalhas, migração, invenções, guerras e amores, tudo nos livros de história acontece aqui, nos últimos 10 segundos do calendário cósmico”, diz Sagan.
Não é lindo, gente? Perceber o quanto o universo é uma coisa absurda de grande e antiga, incompreensível para as nossas dimensões humanas, e como tudo isso a que damos tanta importância, na verdade, é só poeira e fagulha no cosmos?
Bom, é isso. O calendário cósmico está longe de ser novidade, mas, ao vê-lo tão bem representado num dos melhores filmes que vi nos últimos meses, achei que valia a pena registrar esse conceito aqui no blog também, e quem sabe fazê-lo chegar a mais pessoas, neste universo próprio que é o da internet.
(Bem menos fascinante que o das estrelas e planetas, mas, aparentemente, bem mais magnético para os humanos deste último microssegundo do calendário cósmico.)
- Saiba mais sobre o calendário cósmico no site do Espaço do Conhecimento UFMG
- Fonte dos dados usados na tabela: Astronomia no Zênite
- “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, do Carl Sagan, foi um dos melhores livros de não ficção que já li na vida. Deveria ser leitura obrigatória nesses tempos de negacionismo científico e fanatismo religioso.
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Sempre tive Carl Sagan como um mestre. Admirável o didatismo dele, tão bem resumido aqui pela Cris. Só agora tive tempo para compreender de fato seu calendário cósmico. E fiquei aliviado ao saber que, se Trump iniciar a terceira guerra mundial, ele pode até acabar com a vida na terra, mas o universo continuará. Inabalável. E quem sabe, nos últimos segundos desse provável futuro apareça na terra uma humanidade melhor. O fato, agora, é que o atual presidente dos EUA não é mais que o pum do palhaço.
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Verdade! Dá um alento pensar assim, né? Ainda que o Trump seja um pum bem fedorento para os que tiveram o azar de ser contemporâneos dele. Viu esta de hoje? https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/09/sob-ordem-de-trump-parques-podem-ter-de-apagar-referencias-a-escravidao.shtml
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