‘Trilogia dos Gêmeos’, de Ágota Kristóf: leia minha resenha dos livros

As ilustrações de capa dos livros da trilogia dos gêmeos, de Ágota Kristóf, pela editora Dublinense são de Luisa Zardo.
As ilustrações de capa dos livros da trilogia dos gêmeos, de Ágota Kristóf, pela editora Dublinense são de Luisa Zardo.

Ao longo de sete dias (entre o feriado de 21 de abril e o domingo, 27 de abril), percorri as 551 páginas desta “trilogia dos gêmeos“, de Ágota Kristóf. Embora os três livros sejam extremamente duros, com pouco espaço para respiro em meio a traumas de infância, guerra, violência, abuso, loucura, doença, abandono, solidão e outros temas pesadíssimos, naveguei por eles vorazmente, nos momentos em que eu tinha para ler, como que engolida pela história.

Uma coisa é certa: eu nunca tinha lido nada parecido.

A começar pela narrativa da escritora húngara, principalmente no primeiro livro, em que, pela primeira vez, vi um texto inteiro narrado na primeira pessoa do plural. Os gêmeos contam sua saga, dos 9 anos até a juventude, vivendo com a Avó numa cidadezinha perto da fronteira.

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Neste livro, nenhum nome é dito: não sabemos nem sequer os nomes dos gêmeos, a Avó é chamada só de Avó, o pai de Pai, a mãe de Mãe, e assim por diante. Os personagens têm os nomes de suas funções na sociedade, como se representassem um recorte social genérico, próprio das fábulas e lendas, aplicável a várias situações e histórias.

O mesmo acontece com o país, que nunca é nominado. Sabemos que é um país que sofreu muitas invasões na guerra, deduzimos ser a Segunda Guerra Mundial, depois sabemos que ele viveu um regime totalitário, que deduzimos ser o dos soviéticos, mas nada é nomeado, contextualizado, situado historicamente. As cidades são chamadas de Cidade Grande e Cidade Pequena. Sabendo que a autora é húngara e teve que se exilar, e conhecendo minimamente a história da Hungria, é possível situar toda a história da trilogia naquele país – mas, de novo, ao optar por não dar nomes aos bois, a autora torna seu livro mais perene, uma representação de múltiplas outras histórias de países assolados por guerras, regimes totalitários, violência e perseguições políticas, em várias épocas.

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Neste primeiro livro da trilogia, “O Grande Caderno“, cada capítulo é curtíssimo, com duas a, no máximo, quatro páginas, apresentando de forma objetiva e distante, praticamente em tom de relatório, a experiência dos irmãos naquele fim de mundo – e as experiências que eles criam para se fortalecerem e protegerem.

O segundo livro muda radicalmente tanto o tom da narrativa como seu ponto de vista (ela passa, inclusive, a ser em terceira pessoa), e a história ganha muito mais detalhes, mas segue como uma continuação linear do livro anterior.

É neste “A prova” que levamos o primeiro susto, o primeiro tapa na cara, a autora tece um grande nó na história, uma verdadeira reviravolta. Mais que isso não ouso falar, para não estragar a experiência.

No último volume, “A terceira mentira“, há mais reviravoltas, mas também é a história em que todas as peças se encaixam, todas as explicações são dadas, não terminamos nada com pontas soltas. Nos dois últimos livros, descobrimos os nomes de alguns personagens importantes – os gêmeos, por exemplo, chamam-se Lucas e Claus, e há também Peter, Victor, Clara, Yasmine, Mathias, Antonia, Sarah.

Ao ganhar nomes, os personagens ganham personalidade, a história deixa de ser tratada tão impessoalmente, como era no primeiro livro, e passa a ficar mais intimista, e revelar mais detalhes da vida específica daqueles irmãos gêmeos. É interessante como a autora transforma sua trama radicalmente a partir da própria forma de contá-la.

Isso não é irrelevante, considerando que esta trilogia também é, de certa forma, metalinguística, ao abordar, em várias passagens, como se dá a construção de um livro. Aprendemos que alguns retalhos desta grande colcha que a autora costurou são vida real transformada em literatura.

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Ao conhecer um pouquinho da história de Ágota Kristóf, é possível ver que ela também usou a mesma tática de aproveitar parte de sua biografia para compor a história de seus personagens. Na verdade, acredito que muitos escritores façam o mesmo, mas ela soube explicar esse processo com maestria ao longo da trilogia.

Terminamos esta leitura perturbados e transformados – ou melhor, não dá para eu escrever como os gêmeos, na primeira pessoa do plural, porque não tenho como supor que todos os leitores sintam o mesmo que eu, ao tomar conhecimento desta obra. Mas posso dizer que eu, sim, concluí os livros impressionada com essa saga familiar, com esta tragédia em três atos, e com a forma como ela foi narrada.

Acho que nunca me esquecerei de Claus e Lucas, de sua ligação de dor, da forma como suas vidas foram forjadas. E sigo pensando como é terrível que histórias assim possam ter sido até imaginadas, já que possíveis.

 

Box Trilogia dos Gêmeos, de Ágota KristófBox Trilogia dos gêmeos (O Grande Caderno, A Prova e A Terceira Mentira)
Ágota Kristóf
Ed. Dublinense
551 páginas
R$ 134,94 na Amazon (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)

 

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

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