‘Uma Árvore Cresce no Brooklyn’: uma vida inteira compartilhada

Cena do filme 'A Tree Grows in Brooklyn' (Laços Humanos), de 1945, baseado na obra de Betty Smith.
Cena do filme 'A Tree Grows in Brooklyn' (Laços Humanos), de 1945, baseado na obra de Betty Smith.

Enquanto eu lia “Uma Árvore Cresce no Brooklyn“, um clássico da literatura norte-americana lançado em 1943, pensei muito em outro livro importante daquele país, que acabou ganhando muito mais fama que este: “O Sol é Para Todos“.

Não exatamente pela temática principal. No livro de Harper Lee, o mote é o julgamento de um homem negro injustamente acusado de estupro de uma mulher branca. Neste livro de Betty Smith, não existe nenhuma observação sobre as injustiças raciais nos Estados Unidos naquele comecinho do século 20.

Mas as duas obras, escritas por mulheres, têm meninas como protagonistas. Que vivem suas aventuras de crianças, em meio a uma dureza da vida.

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Se lá Scout e seu irmão Jem vivenciam a dureza da injustiça, do ódio e do racismo em uma cidadezinha do Alabama, aqui Francie e seu irmão Neeley vivenciam a dureza da miséria, da fome e do alcoolismo em sua infância nas favelas de Williamsburg, no Brooklyn, Nova York.

E essas meninas são muito especiais, cada uma à sua maneira. Trazem uma suavidade à dureza da vida, graças à sua ingenuidade, ao filtro de criança que possuem.

Assim como no outro clássico, “Uma Árvore Cresce no Brooklyn” não se fixa apenas nas agruras da vida de seus personagens. É um livro cheio de anedotas, de graça, de pequenas aventuras, seja na escola ou nas ruas do Brooklyn. Como quando as crianças conseguiram um imenso pinheiro de Natal ou quando seu pai tentou levá-las para pescar (e foi um desastre completo).

Traz também uma visão até bastante avançada para seu tempo sobre as mulheres e as estruturas familiares. Além de Francie, a maioria das personagens mais importantes deste livro são mulheres: sua sábia mãe Katie, as tias Sissy e Evy, a vovó Mary Rommely, as vizinhas, a professora. Os homens, aliás, muitas vezes são personagens mais caricatos, como o pai boêmio, o tio fracassado e o soldado malandro.

Aborda os métodos de ensino do inicinho dos anos 1900, e, mais tarde, quando Francie já está com 13 anos, nos mostra como era o mercado de trabalho da época. Aliás, o livro ilustra muito bem a economia dos Estados Unidos daquele período, quando os preços dos principais itens estavam na casa dos centavos e ganhar 20 dólares por semana era considerado muito bom.

Assim como no clássico de Harper Lee, esta obra é baseada nas experiências reais da autora Betty Smith, e em sua infância no Brooklyn. E isso, como já escrevi por aqui, é um fator que enriquece muito a história, e a humaniza: “esse ingrediente mágico, da memória afetiva e da nostalgia, costuma incrementar algumas das melhores obras que a gente vê na literatura e no cinema”.

Enfim, é um livro muito bom, que merecia ter conquistado e ainda conquistar mais leitores ao redor do mundo, como aquele outro a que me remeteu.

Passei o mês de novembro quase todo em companhia de Francie – leitora voraz, menina estudiosa e comportada –, de seu irmão e melhor amigo Neeley, da trabalhadeira, séria e inteligentíssima Katie (porque inteligência nada tem a ver com grau de instrução) e desses outros personagens cativantes e interessantes, que acompanhei ao longo de 16 anos de suas vidas, com nascimentos e mortes, casamentos e divórcios, descritos em 531 páginas.

Vi todos eles crescendo e florescendo, firmes e fortes, numa evolução contínua, assim como as árvores teimosas do Brooklyn, que crescem até em pilhas de entulho ou em meio ao cimento. Até quando maltratadas.

Sentirei muitas saudades, família Nolan. Obrigada por todos os ensinamentos e histórias de vida compartilhadas.

Capa do livro Uma Árvore Cresce no Brooklyn“Uma Árvore Cresce no Brooklyn”
Betty Smith
Verus Editora
531 páginas
R$ 62,42 na Amazon (preço consultado na data do post; sujeito a alterações)

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. “(…) numa evolução contínua, assim como as árvores teimosas do Brooklyn, que crescem até em pilhas de entulho ou em meio ao cimento. Até quando maltratadas.” Ah, essa frase foi um soco no meu estômago.

    Acho que nascer com certas condições familiares torna a vida uma eterna tentativa de cair o mais longe possível da árvore, né? Eu sei que minha mãe e meus tios se sentiram assim. E eu me sinto também. Viver pelo “apesar de” é difícil, mas é muito bom quando a gente consegue.

    Nunca li O Sol é para todos. Embora me interesse muito por títulos clássicos, não li muitos. Vou adicionar ambos na lista. Achei muito interessante o período em que o livro acontece e o fato de acompanhar os personagens por muitos anos. Acho incrível quando escritores conseguem amarrar a narrativa de um jeito que você QUEIRA acompanhar toda a vida de um personagem, ao invés de apenas um pequeno período.

    Você já assistiu Os Mistérios de Miss Fischer? É uma série de investigação criminal nos anos 1920, quase ’30. Gosto muito de como eles retratam a época, também. E a protagonista é uma detetive mulher 🙂

    Mas de longe a coisa que mais me chamou atenção no livro é o fato de ter o ponto de vista de crianças e a leveza desse ponto de vista. É muito raro encontrar um livro que saiba ler crianças de verdade, e não botem elas como pessoas meio burras, sabe? Como um todo. Estou animada para procurá-lo na biblioteca da minha cidade.

    Tenha uma ótima semana, me despeço por aqui.
    Um beijo.

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    1. Que comentário incrível! Obrigada por deixar ele aqui 🙂 Já vou procurar essa série, até porque adoro histórias de detetives 🙂 Se encontrar esses livros na biblioteca, não deixe de voltar aqui para me contar o que achou deles, viu? Espero que goste dessas histórias de vida com protagonistas crianças, assim como eu gostei. Abração

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