O jornalista José de Souza Castro relembra como foi o golpe de 1964, que, movido pela falsa ameaça de comunismo, e com apoio da igreja e da imprensa, levou o país a uma ditadura militar longa e corrupta.
Texto escrito por José de Souza Castro:
Aos 80 anos, posso dizer que fui testemunha desse golpe que está completando 60 anos de história neste 1º de abril. Um golpe tão mentiroso que, para despistar, mudaram a data para não coincidir com o Dia da Mentira.
Golpe para “salvar” a democracia ameaçada pelo “comunismo” do latifundiário gaúcho João Goulart, o presidente Jango. O que de fato desencadeou a reação dos ricos foi o grande comício de Jango, no Rio, dia 13 de março, para lançar o programa das Reformas de Base.
Que, entre outros avanços, propunha a reforma agrária (relembre todos os pontos das Reformas de Base ao final do texto).
O golpe não começou a ser planejado nesse dia, mas bem antes. Jango era vice-presidente da República quando Jânio Quadros renunciou no dia 25 de agosto de 1961. A primeira tentativa de golpe foi buscar substituir o regime de presidência da República para o parlamentarismo quando Jango assumiu.
Não deu, por causa da reação do então governador gaúcho, Leonel Brizola, e sua Rede da Legalidade. Jango acabou assumindo, depois de se comprometer a realizar um plebiscito para que os eleitores decidissem se queriam o parlamentarismo. Não quiseram, mas, enquanto isso, tivemos oficialmente no Brasil o parlamentarismo, por quase um ano e quatro meses.
Os donos do dinheiro não se conformaram com o resultado do plebiscito. Tinham o apoio da Igreja Católica (o que Bolsonaro não teve quando tentou repetir o golpe de 1964, décadas depois).
Tinham o apoio da Imprensa, com exceção quase única do “Última Hora”, que não demorou também a sucumbir na ditadura de 1964.
Apoiadores do golpe doaram ouro – e enriqueceram
O maior empresário nessa área, Assis Chateaubriand, foi um grande incentivador e, um mês depois da queda de Jango, lançou a campanha “Ouro para o Bem do Brasil”. Alegadamente, para pagar a dívida externa e salvar o Brasil do comunismo.
Foram arrecadados mais de 400 quilos de ouro, mas ninguém prestou conta do que foi feito com essa doação dos apoiadores do golpe.
Eu vi filas se formando para doar alianças, anéis e outras coisas feita de ouro. Um dos que ajudaram na coleta foi meu colega Ronaldo “Bolão”, que trabalhava no jornal “Estado de Minas”, de Chateaubriand. Seu salário dobrou durante o período da campanha. Em quanto aumentou a riqueza de Chateaubriand, não se sabe.
Eu trabalhava como mecanógrafo numa imobiliária no Centro de Belo Horizonte e via com desprezo as filas que se formavam também para que os jovens se alistassem para a luta armada contra o comunismo. Eu ganhava dois salários mínimos, dinheiro mais que suficiente para pagar a pensão, a mensalidade do colégio e todas as outras despesas pessoais.
Agora fico pensando quanto o salário do trabalhador valeria hoje, se as Reformas de Base tivessem sido implantadas em 1964 e o Brasil tivesse se transformado na grande nação que queríamos há 60 anos, sem esse capitalismo selvagem.
Esse sonho ainda não acabou, apesar dos pesares.

O que eram as Reformas de Base de João Goulart?
- Reforma Agrária. Era a mais polêmica e dependia de alteração constitucional. Não haveria pagamento prévio de terras desapropriadas em dinheiro e seria alterada a estrutura fundiária nacional para baixar o custo dos alimentos no mercado interno, além de criar um imenso grupo de pequenos proprietários com poder aquisitivo capaz de contribuir para o fortalecimento do mercado consumidor. Assim, seriam apaziguados os conflitos no campo e diminuída a miséria.
- Reforma Eleitoral. O ponto principal seria a extensão de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente.
- Reforma Bancária. Subordinação da rede bancária privada ao Banco Central de uma forma ampla. O Bacen centralizaria decisões de crédito e juros. Essa reforma permitiria maior controle sobre o processo inflacionário, além de estimular a indústria e o consumo interno, através da democratização do crédito.
- Reforma Tributária. Para transformar a receita federal em instrumento de desenvolvimento e fonte de recursos previsíveis, estimulando a produção e o consumo internos mediante a diminuição de impostos indiretos e maior taxação a pessoas físicas de maior poder aquisitivo, além de criar mecanismos para evitar sonegação fiscal e evasão de divisas.
- Reforma Administrativa. Para modernizar e tornar mais eficiente a máquina pública, racionalizando processos e tornando-os impessoais e refratários aos apadrinhamentos políticos, capacitando os funcionários para transformá-los em instrumento de desenvolvimento.
- Reforma Universitária. Para democratizar o acesso e transformar as universidades em centros de pesquisa e ensino.
- Reforma urbana. Para implementar alterações no uso do solo urbano, controlar aluguéis e acabar com o problema de moradia nas cidades.

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Sucinto, mas panorâmico daqueles dias, com ênfase nas reformas de base.
Lembraria apenas do papel preponderante da embaixada norte-americana na articulação do golpe de estado, com destaque para seu titular, Lincon Gordon.
cid cancer
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Boa lembrança, Cid. Além de imprensa e igreja, os EUA também tiveram papel de destaque no golpe (que acho que Bolsonaro também teria tido, se fosse Trump ainda no poder…). Abração!
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muito interessante esta história do ouro, que eu não conhecia. na verdade, descobri na semana passada, com o lançamento da HQ “Chumbo”, do sobrinho francês de Roberto Drummond. hq maravilhosa, aliás. vem com um selo escrito “60 anos do golpe” na parte de trás do livro. bela matéria, seu José. relembrar, para jamais esquecer. e conhecer.
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Sim, fui sucinto demais. O papel dos Estados Unidos no golpe foi preponderante para seu sucesso. No Brasil e em tantos outros países, mas sobretudo na América Latina, o chamado quintal. Além do citado embaixador Gordon, não se pode esquecer do adido militar (cujo nome eu não deveria esquecer, mas esqueci. Hehehe).
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