‘Dias Perfeitos’: uma reflexão sobre a felicidade

Cena do filme "Dias Perfeitos", aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) admirando a paisagem na janela logo depois de acordar.
Cena do filme "Dias Perfeitos", aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) admirando a paisagem na janela logo depois de acordar.

Vale ver no cinema: Dias Perfeitos (Perfect Days)
2023 | 2h04 de duração | Classificação: 12 anos | nota 9

Eis mais um belo filme desta temporada, que está cheia de outros belos filmes. Belo como “Vidas Passadas“, “Os Rejeitados” e “Nosso Amigo Extraordinário“. Filmes que abordam temas difíceis, como o amor, as escolhas da vida, a amizade, a criação de vínculos e o envelhecimento – ainda que de forma relativamente leve.

Agora, com “Dias Perfeitos“, somos instados a refletir, principalmente, sobre felicidade.

O que nos traz felicidade? Um emprego estável? Um cargo de reconhecimento? Dinheiro? Família? Casamento?

E se for possível ser feliz vivendo a mais prosaica das vidas, sem qualquer luxo, trabalhando com um dos empregos que figuram lá na base da pirâmide social – como faxineiro de banheiros públicos?

Cena do filme "Dias Perfeitos", aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) trabalhando na limpeza dos banheiros públicos de Tóquio.
Cena do filme “Dias Perfeitos”, aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) trabalhando na limpeza dos banheiros públicos de Tóquio.

O filme nos apresenta Hirayama, um homem solitário, organizado, de pouquíssimas palavras, que trabalha com esmero na limpeza dos banheiros públicos de Tóquio (construídos para os Jogos Olímpicos) e segue uma rotina simples, trivial e sem sustos.

Vamos acompanhando essa rotina com ele, dia após dia. Vemos ele acordar com o som da vassoura na rua, e admirar a paisagem na janela, e olhar para o céu toda vez que abre a porta. Vemos ele escolher uma fita cassete e curtir uma música incrível no caminho de carro até o trabalho. Vemos ele caprichar na limpeza de pias, vasos sanitários, chão e parede.

Vemos ele almoçar seu sanduíche admirando a beleza das árvores e o jogo de luzes e sombras que elas fazem diante do sol. E fechar os olhos para ouvir os passarinhos, toda vez que tem que esperar alguém usar o banheiro. Ou admirar as sombras das folhas contra a parede branca.

Ele também toma banho, vai ao bar, revela fotos (é como se estivesse parado nos anos 90), lava as roupas, lê bons livros antes de dormir. E assim vai tocando a vida, dia após dia.

Cena do filme "Dias Perfeitos", aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) lendo um bom livro antes de dorrmir.
Cena do filme “Dias Perfeitos”, aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) lendo um bom livro antes de dorrmir.

É como na canção de Nina Simone, “Feeling Good”, que a gente pode traduzir assim: pássaros voando alto, sol no céu, brisa passando, flores na árvore, libélula ao sol, borboletas brincando, aroma de pinheiro, “dormir em paz quando o dia termina”.

Ah, eu tenho liberdade!
É um novo amanhecer
É um novo dia
É uma nova vida para mim
E estou me sentindo bem.

Nina, aliás, é parte importantíssima da trilha sonora do filme, que ainda tem nomes maravilhosos como Lou Reed, Velvet Underground, The Animals, Otis Redding, Patti Smith, The Kinks, Stones e Van Morrison.

Ouça a trilha sonora de Dias Perfeitos:

Hirayama quase não possui bens, vive numa casa simples, com poucos cômodos. Mas tem uma grande coleção de fitas cassetes. Então a música é uma fatia importante de seus pequenos prazeres (assim como os livros e a natureza), e a trilha sonora vai permeando a história, ajudando a compor cada um dos sentimentos e momentos daquela vida.

Mais do que nos fazer pensar sobre a felicidade (e o pouco que ela requer), “Dias Perfeitos” nos faz pensar sobre o próprio sentido da vida que levamos.

Ultra-atarefados, ultraconectados, estressados, acumuladores. “Precisamos de dinheiro até para nos apaixonar! Que mundo é esse!”, reclama um jovem colega de Hirayama, em uma certa hora do filme.

Já Hirayama nunca reclama. Ela vive o agora. Limpa, lê, ouve música, dirige, conversa, come. Está sempre com a cara boa, sorrindo das situações cotidianas que passam por seu caminho. Parece feliz.

Cena do filme "Dias Perfeitos", aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) admirando a árvore na hora do almoço.
Cena do filme “Dias Perfeitos”, aqui com o personagem Hirayama (Koji Yakusho) admirando a árvore na hora do almoço.

A aparição da sobrinha e da irmã de Hirayama nos faz adivinhar a história prévia desse personagem. Pule este parágrafo se não quiser spoilers. Minha dedução é que ele era de uma família rica e “chutou o balde” depois de passar por um burnout no emprego ou algo do tipo. Isso explica seu contentamento e empenho em lavar banheiros, tendo a possibilidade de desfrutar de outros prazeres. Inclusive a única cena do filme em que ele parece aborrecido é quando tem que trabalhar numa jornada dupla.

Outros personagens vão aparecendo na história também, acrescentando temperinhos, embora 95% do tempo seja o Koji Yakusho, que interpreta Hirayama, diante de nós na tela. Acabou vencedor do prêmio de melhor atuação no Cannes, em 2023.

Baita ator, ele nos transporta para sua vidinha – e nos sentimos em paz, como ele parece se sentir. “Feeling good“.

Antes de encerrar o post, eu deixo vocês com a pergunta que me fiz várias vezes depois que vi o filme: o que é um dia perfeito para você? Ou: do que um dia precisa para ser perfeito? Será que são coisas muito raras, ou basta, por exemplo, uma boa noite de sono, um carinho e um punhado desses pequenos prazeres que estão escondidos no ordinário?

Será que a vida é mesmo tão complicada ou somos nós que a complicamos demais? E reclamamos demais…?

Quando será que faremos como Hirayama e enxergaremos o belo no simples?

Assista ao trailer de Dias Perfeitos:

‘Dias Perfeitos’ foi indicado a 1 Oscar em 2024 (não venceu):

  1. Melhor filme estrangeiro

Você também vai se interessar:

➡ Quer reproduzir este ou outro conteúdo do meu blog em seu site? Tudo bem!, desde que cite a fonte (texto de Cristina Moreno de Castro, publicado no blog kikacastro.com.br) e coloque um link para o post original, combinado? Se quiser reproduzir o texto em algum livro didático ou outra publicação impressa, por favor, entre em contato para combinar.

➡ Quer receber os novos posts por email? É gratuito! Veja como é simples ASSINAR o blog! Saiba também como ANUNCIAR no blog e como CONTRIBUIR conosco! E, sempre que quiser, ENTRE EM CONTATO 😉

Canal do blog da kikacastro no WhatsAppReceba novos posts de graça por emailResponda ao censo do Blog da Kikafaceblogttblog


Descubra mais sobre blog da kikacastro

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Avatar de Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

Deixe um comentário

Descubra mais sobre blog da kikacastro

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue lendo