O drama eterno da migração

Para ver no cinema: SAMBA
Nota 8

samba

Como narrar a dura vida dos imigrantes africanos na Europa (assunto tão em voga no noticiário) sem ser de uma maneira soturna e cheia de lágrimas? Chamando os dois diretores de “Intocáveis” para fazer isso, eis um bom começo. E o sensacional ator Omar Sy, o Driss daquele mesmo filme, para encarnar o protagonista, que tem nome de ritmo musical brasileiro. Assim surge o filme “Samba“.

O resultado, no entanto, não tem nada a ver com “Intocáveis“. Segue sendo uma comédia dramática — lagriminhas aqui, sorrisos acolá –, com interpretações excelentes, mas os personagens são muito menos cativantes. O destaque nesse quesito nem fica com Omar Sy, que faz um papel meio acanhado demais, mas com o coadjuvante Tahar Rahim, que interpreta Wilson, o falso brasileiro, que consegue todos os bicos para os dois trabalharem, consegue fugir das enrascadas, e ainda conquista toda a mulherada com aquele bom humor e sorrisão de covinhas.

A personagem de Charlotte Gainsbourg (“Anticristo” e “Melancolia“), Alice, desponta do outro lado do drama, que nada tem a ver com o dos imigrantes. Enquanto estes fazem de tudo para trabalhar em qualquer lugar, seja limpando janelas de arranha-céus ou separando o lixo, várias horas ao dia e com remuneração baixíssima, além de zero segurança, Alice é uma executiva bem-remunerada que sofre um burn-out, surta com o estresse e precisa tirar uma licença e afagar pelos de cavalos. São problemas relacionados ao trabalho, em ambos os casos, mas de formas quase antagônicas.

Enfim, é um filme de bons personagens, mas não vá esperando que sejam tão incríveis como a dupla Philippe e Driss, do filme “Intocáveis”. De todo modo, é um jeito de contar uma história que se repete de tempos em tempos, em todas as partes do mundo, que é a história dos migrantes. Estou lendo agora “As Vinhas da Ira”, clássico de John Steinbeck que conta o drama dos “retirantes” norte-americanos que migraram do leste para o oeste do país, em busca de emprego e moradia, no início do século passado. Lembra os nossos retirantes nordestinos, que desceram ao sudeste do país ainda em busca de oportunidades melhores de vida. E é o que ocorre com os imigrantes do norte da África e outras partes do mundo que se amontoam em barquinhos precários no Mediterrâneo em busca de uma vida melhor na França e outros países europeus.

Supostamente melhor. Ao chegarem à tão sonhada Califórnia, os norte-americanos descobrem que existem tantos retirantes para as colheitas que eles ganhariam uma miséria e trabalhariam em regime de semiescravidão. Ao chegarem ao Brasil, haitianos que fugiram de uma miséria e caos absolutos estão sofrendo ataques de um maluco que sai gritando que eles estão “roubando nossos empregos”, no ensandecido centro de São Paulo (leia este horror AQUI). E, ao chegarem à França, os africanos e árabes passam a ter medo da própria sombra, com terror da deportação, e trabalham e vivem em situações também precárias.

Só sambando bastante para conseguir superar o drama e ir tocando a vida com a comédia…

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

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