Imagine uma pessoa má. Que, há 27 anos, estuprou a garota de quem gostava e a matou, juntamente com o namorado dela. Que já bateu em várias pessoas, e matou ainda outras, enquanto esteve na prisão, para pagar pelo primeiro crime.
Este é Sócrates. Um criminoso e, quando o conhecemos, já ex-presidiário. Ele mora em uma espelunca, luta diariamente para sobreviver e, como diz o nome do livro, está “sempre em desvantagem”. Essa condição de pessoa-em-constante-culpa, de sobrevivente e de lutador o transformou em uma espécie de filósofo, de sábio, aquele que os vizinhos respeitam e de quem buscam conselhos.
Aos poucos, vamos aprendendo a gostar desse anti-herói (tendo a ter uma queda por anti-heróis da literatura e do cinema, fazer o quê?), e a respeitar suas ideias e tomá-las como acertadas.
E vamos acompanhando suas histórias, capítulo a capítulo, ou conto a conto — porque, de certa forma, os capítulos são independentes e podem ser lidos de forma aleatória. Segue-se uma linearidade temporal, mas cada capítulo tem seu começo, meio e fim, então a ordem não é importante.
Vamos acompanhando o dia em que ele critica o ladrão por contribuir para a imagem ruim que a sociedade norte-americana tem dos “irmãos” negros, o dia em que briga com o garoto que matou o frango depois de matar outra criança, o dia em que teimou até conseguir um emprego, o dia em que conheceu um casal na praia, o dia em que passou a frequentar a livraria etc. Histórias fortes, até a última, a mais triste de todas, que trata da amizade.
Uma temática que permeia todas as histórias é a discriminação à comunidade negra. A forma como o autor, Walter Mosley, escreve sobre isso me fez pensar em vários momentos que eu estava lendo um livro que se passava ainda na era pré-Martin Luther King, de segregação explícita. A toda hora tinha que me obrigar a lembrar que era uma história dos anos 2000. O que me fez pensar: seria exagero de Mosley ou a sociedade norte-americana, mesmo nas ruas modernas de Los Angeles, ainda continua mesmo tão atrasada e com tantos guetos raciais? Acho que deve ser a segunda opção. (E, se lá é assim, num país tão mais combativo em relação ao racismo, pobre do Brasil…)
Ao menos existem os Sócrates modernos, com suas filosofias das ruas, para nos ensinar a olhar.
“Sempre em desvantagem”
Walter Mosley
Editora Record
236 págs
De R$ 20 a R$ 40,75
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