Rogério Cerqueira Leite (1931-2024): um dos maiores cientistas brasileiros

Texto escrito por José de Souza Castro:

Morreu na madrugada de domingo (1), num hospital em Campinas, o físico e engenheiro eletrônico paulista Rogério Cezar de Cerqueira Leite. Ele tinha 93 anos e, além de cientista famoso, estava muito ligado a assuntos que interessam às pessoas comuns. Por exemplo, a cerveja falsificada.

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Logo após sua morte, li este artigo na “Folha de S. Paulo”. O texto foi escrito por Maurício Tuffani, quando ele era editor de Ciência do jornal, e estava na gaveta, à espera da morte do biografado. O autor morreu antes: em 2021, aos 63 anos. Já me aconteceu isso – mas continuo vivo e espero não morrer antes de o blog publicar o que escrevo agora.

O que importa é o que escreveu Tuffani:

“Ele foi um dos mais importantes cientistas brasileiros e diretor de alguns dos principais departamentos de pesquisa e tecnologia do país.

Foi também professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha entre 1978 e 2021. Se destacou nos anos 1970 não só por sua relevante produção como pesquisador na área de matéria condensada, mas, sobretudo, por sua atuação constante e crítica nos grandes debates sobre a políticas brasileiras de ciência e tecnologia e de desenvolvimento industrial.”

O físico escreveu também sobre política. Um exemplo é este artigo que ele publicou na “Folha”, no dia 28 de março de 2022, sob o título “Em busca de D’Artagnan“. Um trecho:

“Insinuam que Lula é ditatorial, é impermeável, é duro —o que é simplesmente uma deslavada mentira. Nunca Lula foi agressivo com seus oponentes. Sempre ouviu a todos. Mas são três eminentes empresários, e eminentes empresários não erram jamais.

Pois bem: esses três empresários não estão procurando um presidenciável digno, mas o arcanjo Gabriel. Não é fácil deduzir que darão com os burros n’água, mas também é claro que estarão ajudando Jair Bolsonaro. Pois eminentes empresários são o que são. A elite. E a elite é infalível. Pois já não acertaram com Bolsonaro? Pois não foram eminentes empresários, a elite nacional, que escolheram e promoveram o famigerado facínora que aí está?”

Ontem o presidente Lula teve a oportunidade para um agradecimento póstumo a Cerqueira Leite. Ele publicou o seguinte em sua conta oficial no X:

“Rogério Cerqueira Leite foi um dos nossos maiores cientistas e um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa e avanços da ciência no Brasil. Engenheiro e físico, contribuiu ensinando, pesquisando e criando departamentos e centros de pesquisa em diversas universidades brasileiras, em especial na Unicamp.

Foi fundamental para a criação do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, o CNPEM. Teve forte atuação também na formatação e defesa das políticas para ciência e na defesa da democracia, de um estado forte e a favor da justiça social em nosso país.

Em 93 anos de vida deixou contribuições em tantas áreas, que seu legado continuará dando frutos e não será esquecido. Meus sentimentos aos familiares, amigos, alunos e admiradores de Rogério Cerqueira Leite.”

Volto agora à biografia escrita por Tuffani. Ele destaca que Cerqueira Leite foi o primeiro a acionar raios laser no Brasil (em 1965), e teve participação decisiva na criação do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), “único do gênero na América Latina”. Também aponta a importância do cientista para a criação do CNPEM (como havia feito o presidente Lula em seu post).

Mas Tuffani também trata de um aspecto importante da contribuição de Cerqueira Leite para o país, que vai muito além de seus trabalhos acadêmicos: seus livros e centenas de artigos na imprensa sobre assuntos variados, que iam desde o programa nuclear brasileiro, até a exploração de minerais estratégicos como o nióbio e o quartzo, passando pelo ensino superior, o cenário político atual, o negacionismo científico e as mudanças climáticas. “Seus textos conseguiam mesclar didatismo com erudição e, muitas vezes polêmicos, críticas mordazes”.

Mais um trechinho desta bela biografia:

“Defensor da autonomia nacional em tecnologias estratégicas, como a do etanol, nos últimos anos alertou para a necessidade de investimentos na pesquisa e na produção desse combustível como alternativa tecnológica e industrial mais rentável e segura que o pré-sal nos aspectos econômico, ambiental, social e de compatibilidade com as condições brasileiras.

Formado em engenharia eletrônica e computação em 1958 pelo ITA, se doutorou em física da matéria condensada em 1962 pela Universidade de Paris-Sorbonne, na França. Em seguida, atuou nos Laboratórios Bell, onde trabalhou com Sérgio Pereira da Silva Porto (1926-1979), seu professor no ITA e um dos primeiros a desenvolver o uso do laser na medicina brasileira. (…)

Na Unicamp, onde começou a lecionar em 1970, foi diretor do Instituto de Física (1971-1974) e coordenador-geral das faculdades (1975-1978). E também foi membro do Conselho Superior da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). (…)

Foi agraciado com a Cátedra da Universidade de Montréal, Canadá, em 1979, e com a Comenda da Ordem Nacional do Mérito da França, em 1980. No Brasil, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2006).”

Com isso, encerramos aqui nossa homenagem ao grande físico brasileiro.

Leia alguns posts deste blog que comentam artigos de Cerqueira Leite:

• 2013: Já tomou sua cerveja falsificada hoje?
• 2015: Sem vingança apocalíptica, por favor
• 2019: Uma profecia, à Allan Poe, do futuro que nos espera com Bolsonaro
• 2021: Bolsonaro não se compara a Lula, mas é idêntico a personagem de Shakespeare
• 2021: Dois cegos mortíferos: FHC e Bolsonaro