Memorialista Wellington Barros diz o que importa do passado

Dente-de-leão quase sem pétalas, remetendo a envelhecimento, passado, passagem do tempo, finitude. Foto em preto e branco de Ýlona María Rybka / Unsplash.
Foto: Ýlona María Rybka / Unsplash.

Texto escrito por José de Souza Castro:

“O passado não é aquilo que passa, é aquilo que fica do que passou”.

Ao ler essa frase de Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, referindo-se a Ouro Preto, o escritor mineiro Wellington Abranches de Oliveira Barros decidiu escrever seu 24º livro com o título “Passado não é o que passou”. Resultado: 25 crônicas sobre o tema, mais quatro páginas de “Provérbios e Ditos Populares”.

Entre estes, o que escreveu William Shakespeare há quatro séculos:

“Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente”.

Já escrevi aqui resenhas sobre livros de Wellington e quem as leu sabe que esse escritor nascido há 79 anos na zona rural de Teixeiras, a 15 km de Viçosa (MG), em cuja universidade ele se formou engenheiro agrônomo, não é de ficar lamentando dores passadas. Seus textos, repletos de ensinamentos – o que é natural num erudito ex-professor –, são muito bem-humorados.

Apesar de o tema central escolhido por ele estar presente em todas as crônicas, o hábil narrador não deixa que suas histórias se tornem monótonas. Diria que elas variam ao gosto do leitor.

Segundo Wellington, Ouro Preto é um passado que ficou daquela cidade que se chamava Vila Rica e, na corrida do ouro, teve a maior aglomeração humana da América Latina. Suas figuras históricas, como os inconfidentes Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa, continuam vivas em nossas memórias, assim como as casas e ruas em que viveram. Quem não se lembra do coronel José Silvério dos Reis, também inconfidente e que delatou seus companheiros?

Ouro Preto, patrimônio da humanidade. Foto: CMC
Ouro Preto, patrimônio da humanidade. Foto: Blog da Kikacastro / CMC

A figura do delator, aposta Wellington, “está fresquinha na cabeça dos brasileiros, uma vez que surgiram vários delatores durante a Operação Lava-Jato, a qual prendeu centenas de pessoas e diversos outros famosos dedos-duros, que recebiam premiações, como redução de penas, decorrentes de suas denúncias ou acusações”.

Outro drama narrado pelo autor, na crônica seguinte, é o de Cornélio, um solteirão técnico em metalurgia que tinha como vizinho o Niltão, um valente carnavalesco de quase dois metros de altura e cem quilos de peso. Numa noite, enlouquecido pelo barulho vindo de uma festa promovida por Niltão que não o deixava dormir, Cornélio invadiu sua casa, cortou a fiação dos aparelhos de som e matou o dono com 18 punhaladas.

Foi preso, condenado a dez anos de prisão, cumpriu a pena e tentou se empregar em diferentes empresas, mas foi recusado por todas alegando que não queria ter em seus quadros um condenado. “Portanto, está aí um caso que retrata muito bem que o passado é o que fica do que passou”.

Outra maneira de comprovar a tese veio da experiência da mãe de Wellington, que gostava muito de plantar roseiras no pequeno jardim que tinha em casa. Certa manhã, ela consolou o filho, que ficou triste ao ver o chão atapetado por pétalas de rosa que tinham caído com a chuva e a ventania da noite. “As rosas são mesmo assim. Balançando nos seus ramos ou espalhadas pelo chão, elas enfeitam o jardim de qualquer jeito”.

As rosas enfeitam mesmo quando suas pétalas já caíram no chão. É o que fica do passado. Foto: Hastur Roberts / Unsplash
As rosas enfeitam mesmo quando suas pétalas já caíram no chão. É o que fica do passado. Foto: Hastur Roberts / Unsplash

Essa lição veio à memória anos depois, quando uma bela rosa plantada por Wellington em seu sítio, e que no dia anterior embelezava o alto do seu jardim, agora enfeitava o chão. Uma vizinha que passava exclamou: “Como o chão ficou bonito! Rosa é uma flor bonita de qualquer jeito”. Wellington gostou tanto, que balançou outra roseira, enfeitando ainda mais o gramado. E filosofou:

“O passado e o presente se completaram no jardim, demonstrando claramente que nem todo passado é o que passou, mas é, sem dúvida, o que ficou do que passou”.

Mesmo sem as madeleines de Proust, alguém que sair em busca dos tempos perdidos vai saborear tudo o que ler neste livro de Wellington. Pode descobrir, como ele: o que ficou do que passou embasa tendências tecnológicas para o futuro.

Pois, como disse o filósofo dinamarquês Sorem Kierkegaard, citado pelo memorialista mineiro, “a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente”.

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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

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