Os tempos difíceis de Dickens não voltam mais com Bolsonaro
Texto escrito por José de Souza Castro:
No começo de 1999, enquanto eu lia “Hard Times”, o tucano Fernando Henrique Cardoso iniciava sua nova gestão de quatro anos, sob o signo da crise do real. Em janeiro, depois da posse, a moeda se desvalorizou bruscamente e os juros pagos pelo governo chegaram a 45% ao ano. Aos trancos e barrancos, a economia foi se recuperando, mas não o suficiente para manter em mãos tucanas o comando do país.
Em 2002, Lula se elegeu. Só então a situação dos trabalhadores melhorou.
Já então, poucos se lembravam dos conceitos de utilitarismo e de economia política, concebidos pelos economistas ingleses Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), criticados por Dickens. Esses economistas defendiam que a distribuição da riqueza era governada por leis imutáveis da natureza, que a prosperidade nacional dependia do lucro dos empresários, e os salários dos trabalhadores não podiam aumentar sem pôr em risco a harmonia econômica e dar prejuízo, tanto para os trabalhadores quanto para os industriais.
Afinal, nada havia posto mais em risco a indústria brasileira como a implementação, no governo FHC, de políticas econômicas deflacionistas (juros elevados e baixo investimento estatal), associadas a um câmbio semifixo sobrevalorizado e à abertura indiscriminada da economia, com consequente aumento dos déficits comerciais e enfraquecimento da indústria nacional.
Não por acaso, um personagem relevante de Tempos Difíceis é o banqueiro Bounderby, que se orgulhava das condições de vida em Coketown, cidade fictícia criada por Dickens, inspirado em outras cidades industriais inglesas, onde os trabalhadores – homens, mulheres e crianças – eram mantidos trabalhando nas usinas entre 14 e 16 horas por dia, com folga só aos domingos.
Segundo o banqueiro, na cidade enfumaçada pelas chaminés das fábricas movidas a carvão e vapor, não existia em Coketown nenhum operário – homem, mulher e criança, aos quais chamava indistintamente de Hands (Mãos) – que não sonhasse em comer tartaruga e carne de veado com uma colher de ouro.

Não vão comer com uma colher de ouro, avisava o banqueiro, que tinha sua própria definição para o trabalho feito pelos Hands: “É o mais agradável trabalho que existe, o mais leve trabalho que existe e o mais bem pago trabalho que existe”.
Não havia motivo, também, para reclamar da poluição em que todos viviam e trabalhavam, pois fumaça “é a coisa mais saudável no mundo em todos os aspectos, particularmente para os pulmões”.
Bolsonaro e seus generais iam se divertir, se lessem “Hard Times”.
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Cristina Moreno de Castro Ver tudo
Mineira de Beagá, jornalista, blogueira, poeta, blueseira, atleticana, otimista, aprendendo a ser mãe. Redes: www.facebook.com/blogdakikacastro, twitter.com/kikacastro www.goodreads.com/kikacastro. Mais blog: http://www.otempo.com.br/blogs/19.180341 e http://www.brasilpost.com.br/cristina-moreno-de-castro
O livro de Dickens faz uma crítica ao utilitarismo inglês e uma crítica a sociedade industrial. Se a poluição não era problema para o banqueiro, o próprio Dickens traz relatos de uma cidade poluída pela indústria – poluição do ar, poluição da água, e uma vida padronizada por causa da indústria. Outro ponto interessante é que o roubo do banco é feito por um jovem de família rica, estruturada, que teve acesso à educação e aos bons costumes. Não sei se Bolsonaro lê, porém esse livro tem um teor crítico importante longe dos ideais limitados e ignorantes do presidente.
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