Comprei uma cômoda, recebi um quebra-cabeças

Faltava a cômoda. A mudança já estava terminada havia três meses, mas ainda precisávamos de uma cômoda para toda a papelada e livraiada quem um casal de jornalistas acumula na vida. Depois de pesquisar entre topa-tudos, casas de antiguidades e lojas de móveis novos, achamos uma que parecia bonita, grande e tinha um preço justo. Nem ligamos para o aviso no site das Casas Bahia: “não nos responsabilizamos pela montagem do produto”. Manual de instruções é pra isso mesmo, né.

Eis que a cômoda chega. Ou melhor, chegam 36 tábuas de compensado, 44 cavilhas, 80 parafusos, 66 pregos, 8 cantoneiras, 8 corrediças de metal, 6 suportes, 6 sapatas, 6 tambores minifix, 2 dobradiças e 2 calços para elas e 1 puxador.

Visualizaram o quebra-cabeças?

Também veio um papelzinho, à guisa de um manual de instruções, onde se via apenas quatro imagens de uma cômoda sendo montada, com várias letrinhas e setinhas, como se fosse a coisa mais fácil do universo.

Mas não. Falo a vocês, francamente: se eu ainda morasse sozinha, perdida na Terra Cinza, teria sentado no chão e chorado. E talvez soltado uma dúzia de palavrões bem cabeludos — contra o fabricante, a loja vendedora, minha falta de habilidade e o excesso de habilidade de todos os marceneiros do mundo, profissionais tão talentosos num trabalho tão complexo quanto a engenharia nuclear e a física quântica.

Teria, é claro, contratado um desses profissionais, pagado meus olhos da cara, feito aquele compensado vagabundo custar muito mais dinheiro do que realmente vale e, no fim, com tudo pronto, teria me conformado.

Mas dei a sorte de arranjar um marceneiro pra morar comigo. E lá foi ele, pregando os pregos um a um, parafusando os parafusos um a um, pacientemente, a marteladas e parafusadas, sob meu olhar admirado. O máximo que fiz foi segurar uma tábua aqui, firmar outra ali, ajeitar numa reta acolá.

Três dias depois, finalmente, ufa, a cômoda foi montada. Acho melhor dizer: foi construída. Erguida. Me senti numa fábrica de móveis, com aquelas máscaras e óculos e botas de EPI e aventais e uniformes com meu nome. Agora vou me deliciar arrumando as pastas, livros e papéis em suas devidas gavetas e estantes.

A todos aqueles que compraram esta cômoda e receberam, em seu lugar, 265 pecinhas e peções: compartilho do seu choro e do seu desespero, somos irmãos neste mundo de inabilidosos. E bom quebra-cabeças!

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Disso…
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… para isso…
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… até chegar ao que realmente compramos. (Fotos: CMC)

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

4 comments

  1. Quando comprei uma estante de livros por uma bagatela na internet foi mais ou menos a mesma coisa. Pensei: isso nunca vai virar uma estante.
    Graças à Deus papai me ajudou e conseguimos montar tudinho em menos de uma hora, mas que é péssimo, ah, isso é!

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  2. Logo que li o título do artigo…fiquei com um sorriso largo, sabendo o quanto desesperante é montar algo assim!
    São trabalheiras que mais cedo ou mais tarde acontecem a todo o mundo. Já li situações em que tábuas foram serradas porque simplesmente excediam a largura do móvel… eheheh!

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