Cidade paga salário de vereador preso até o julgamento final

Texto escrito por José de Souza Castro:

Santana do Paraíso, um município de 275 quilômetros quadrados, no Vale do Aço, comemorou no dia 28 de abril mais um aniversário de emancipação política. Há 21 anos, deixou de ser distrito de Mesquita e, com o tempo, ganhou a posição de número 162 entre os mais populosos municípios mineiros, conforme o Censo de 2010.

Seus mais de 27 mil habitantes não têm culpa pelo fato de o município ter sido destaque na imprensa, nesta semana, por causa de uma decisão política equivocada tomada por oito dos 11 vereadores. A maioria dos vereadores decidiu beneficiar um colega que está preso desde 13 de maio último, em Belo Horizonte, por suspeita de cumplicidade no assassinato, neste ano, de dois repórteres do “Jornal Vale do Aço” que apuravam denúncias sobre a existência de um esquadrão da morte formado por policiais e atuando em Ipatinga e região.

Eleito no ano passado pelo PT, o investigador da Polícia Civil Elton Correa vai continuar recebendo 75% do salário mensal de vereador, que é de R$ 4,6 mil, no período em que “se encontrar privado de sua liberdade, sem condenação criminal transitada em julgado”.

É possível que o dinheiro do contribuinte a ser gasto com o vereador preso não pese muito nos cofres municipais. Seria mais fácil saber, se a prefeitura cumprisse a Lei da Transparência e divulgasse na Internet quanto arrecada e quanto gasta por mês. A prefeitura de Santana do Paraíso tem um portal na Internet e uma seção intitulada “Contas públicas” que nada informa. Mas se lê ali notícias da prefeitura.

Numa delas, o prefeito Antônio Afonso Duarte, do PT, afirma que ao assumir o cargo em janeiro passado encontrou uma dívida previdenciária da prefeitura somando mais de R$ 17 milhões. O prefeito se valeu da Medida Provisória 589, de novembro de 2012, para renegociar a dívida, conseguindo baixá-la para cerca de R$ 10 milhões, a serem pagos parceladamente. O dinheiro que a Câmara Municipal vai gastar, pagando salário de vereador preso, poderia ser mais bem empregado se ajudasse a pagar essa enorme dívida. E não para beneficiar a um colega – ou a si mesmo, no futuro, quem sabe.

Os quatro vereadores contrários à lei vão pedir providências ao Ministério Público para tentar que ela seja anulada pela Justiça. O maior argumento é que a população elegeu 11 vereadores e vai pagar o salário de 12, pois o suplente de Elton já tomou posse em seu lugar. Se a Justiça aprovar, é de se esperar que o exemplo de Santana do Paraíso tenha muitos seguidores em outros municípios, pois o que não falta neste país é vereador criminoso.

Esse fato simplório ocorrido num pequeno município mineiro, emancipado há 21 anos e que já tem 11 vereadores (oito deles com a barba de molho), pode ser um alerta aos senadores que vão analisar o projeto de lei que acaba de ser aprovado pela Câmara dos Deputados e que possibilita a criação de municípios país afora.

A Frente Parlamentar de Apoio à Criação de Novos Municípios se regozijou. Disse que 150 novos municípios já estão prontos para serem criados, pois atendem às exigências estabelecidas pelo projeto de lei. Ou seja, terem recursos, população e infraestrutura suficientes para se desenvolverem. Comprovado isso, a Assembleia Legislativa de cada Estado poderá oficializar a criação de um novo município. Desde que os moradores dos distritos aprovem antes, em plebiscito, a ideia. Como eles são os que pagam os impostos que vão sustentar futuros prefeitos e vereadores e sua coorte de auxiliares, pode ser que tenham mais juízo que os parlamentares interessados em agradar seus cabos eleitorais.

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

4 comentários

  1. Eu acho justo manter o salário até o trânsito em julgado. Até lá, a presunção é de inocência (mesmo se estiver respondendo preso). (Absurdo seria se, como ocorre na magistratura, continuasse a receber em aposentadoria compulsória mesmo depois da condenação definitiva.)

    []s,

    Roberto Takata

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    1. Mas é fácil ser generoso com o dinheiro do contribuinte. Acho mais justo o que os vereadores pensaram primeiro fazer para ajudar o colega, como contou um vereador do PSB que votou contra. Os vereadores tiveram a ideia de fazer uma “vaquinha” e ajudar o colega preso com o dinheiro do próprio bolso, mas como o valor arrecadado entre eles foi de apenas R$ 490, resolveram usar a verba da Câmara Municipal. Sou do tempo em que vereador de cidade pequena não recebia salário pelo cargo. Era melhor, pois só os que se sentiam recompensados em prestar um serviço à sua comunidade e ser reconhecido por isso, se candidatavam. A honra de ser eleito vereador lhes parecia suficiente, e não havia escassez de candidatos. O nível deles era melhor, pois não estavam interessados no salário mas em servir. E nem era um grande sacrifício, pois uma ou duas sessões por semana, à noite, em geral com boa presença de eleitores, bastava para discutir e votar os problemas do município. Nada de muito excepcional, pois ainda hoje muita gente se apresenta para trabalhos voluntários, até nas cidades grandes, pelo prazer de ajudar. Talvez por isso, o velho hábito do mutirão não desapareceu.

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  2. Mas uma vez que existe salário, é direito da pessoa, sendo vereador ou tendo outra ocupação, recebê-lo.

    Na outra questão do político, no caso, vereador receber salário. Se o cargo não lhe toma muito tempo – não apenas nas sessões, mas no estudo das propostas, elaboração dos projetos, etc. – e ele continuar de modo praticamente normal sua atividade principal, apenas gratificações podem ser o suficiente. Mas, especialmente em cidades grandes e/ou complexas, o cargo pode exigir ocupação em tempo integral. Aí faz sentido um salário.

    []s,

    Roberto Takata

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