Legião de lembranças da infância

Eu devo ter lido sobre isso quando foi divulgado, em 2007, mas não me lembrava mais. Logo, hoje li com surpresa que haverá um filme com roteiro baseado na música Faroeste Caboclo, do Legião Urbana.

Como o Legião fez parte da minha infância e adolescência (odeio essa palavra), é um filme que com certeza vou ver.

Lembro até hoje de quando minhas irmãs gravaram em fitas k7 as músicas novas da banda, para que meu irmão, que estava em intercâmbio e era fã do grupo, ouvisse o novo hit “Eduardo e Mônica”.

Legião, aliás, me lembra muito meu irmão, sob vários aspectos. Primeiro porque a voz dele é idêntica à do Renato Russo. Lembro uma vez que fomos passar um dia em Porto Seguro e ele pediu ao sujeito da voz-e-violão da barraca da praia para deixar ele cantar uma música do Legião (meu irmão sempre foi cara de pau nesse sentido :)). O sujeito deixou, e ele desatou a cantar Legião, apesar de estarmos em plena Bahia do axé. Fez tanto sucesso, que a barraca começou a encher e uma amiga do meu irmão, que reconheceu sua voz à distância, foi lá conferir a coincidência. No mesmo dia, um sujeito deu um cartãozinho perguntando se meu irmão não queria virar vocalista da banda dele. Fiquei superorgulhosa.

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Também lembro que as viagens para o sul da Bahia, que sempre foram uma aventura à parte, com 10 a 16 horas (um recorde que ainda vai virar post) de duração, tinham disputa de fitas k7. Tinha quem colocasse sertanejo, eu coloquei várias das Chiquititas, mas o consenso era sempre o Legião.

Enfim, como eu disse de cara, foi uma banda que fez parte da minha infância. E diria até que da minha formação, e da de vários da minha geração e da geração do meu irmão, que é 11 anos mais velho que eu.

A banda não tem qualidade musical nenhuma (o próprio Renato Russo, no acústico MTV, zoa do fato de usarem só três acordes para tocar), mas criou uma legião de fãs por causa da voz do Russo e, especialmente, de suas letras, carregadas de reflexão e crítica, com um discurso de jovem para jovem.

E é muito bom que tenha sido assim, já que, em suas letras, ele fazia os jovens pensarem em tratar melhor seus pais, em discutir política, em descobrir as desigualdades do país, em respeitar as diferenças, em desprezar a homofobia, em aprender a lidar com a solidão e o desamor, em usar camisinha, dentre outras mensagens.

Com aquela falta de ritmo típica das letras gigantes do Legião, estávamos diante de verdadeiros hinos — ou, melhor ainda, de gritos de guerra. Que diziam coisas como:

é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar na verdade não há.
falamos o que não devia nunca ser dito por ninguém.
palavras são erros e os erros são seus. Não quero lembrar que eu erro também. Um dia pretendo tentar descobrir porque é mais forte quem sabe mentir. Não quero lembrar que eu minto também.
ele queria era falar pro presidente pra ajudar toda essa gente que só faz sofrer.
vamos fazer nosso dever de casa e aí então vocês vão ver suas crianças derrubando reis, fazer comédia no cinema com as suas leis.
disciplina é liberdade, compaixão é fortaleza, ter bondade é ter coragem.
quem me dera ao menos uma vez provar que quem tem mais do que precisa ter quase sempre se convence que não tem o bastante, fala demais por não ter nada a dizer.
gostaria de não saber desses crimes atrozes, é todo dia agora e o que vamos fazer? quero voar pra bem longe, mas hoje não dá. Não sei o que pensar e nem o que dizer, só nos sobrou do amor a falta que ficou.
vamos comemorar como idiotas a cada fevereiro e feriado todos os mortos nas estradas, os mortos por falta de hospitais.
se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre? Sem saber que o pra sempre sempre acaba.
até bem pouco tempo atrás poderíamos mudar o mundo. Quem roubou nossa coragem? Tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor.
o Brasil vai ficar rico, vamos faturar um milhão, quando vendermos todas as almas dos nossos índios num leilão. Que país é esse?
acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto.
todos os dias antes de dormir lembro e esqueço como foi o dia. Sempre em frente: não temos tempo a perder.
já que você não está aqui o que posso fazer é cuidar de mim. Quero ser feliz ao menos. Lembra que o plano era ficarmos bem?
quando você deixou de me amar, aprendi a perdoar e a pedir perdão (e 29 anjos me saudaram e tive 29 amigos outra vez)

Depois que cresci e conheci outros mundos musicais (do rock ao blues ao jazz ao samba), enjoei do Legião, principalmente pela pobreza dos ritmos. Mas de vez em quando, como hoje, bate saudade e pego os CDs velhos pra ouvir. Legião virou, pra mim, gosto de infância, o delicioso gosto de passado. E tenho orgulho de ter crescido embalada por esse João de Santo Cristo, que fazia aniversário junto comigo e tinha 36 anos quando morreu, em 1996, aos meus 11 anos.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

6 comentários

  1. Saber cantar “Faroeste Caboclo” do início ao fim era questão de honra para qualquer adolescente que era jovem nos anos 90. Mesmo aqueles que gostavam do É o Tchan.

    Também gosto de ouvir Legião Urbana pela nostalgia. Mas hoje parece uma banda muito datada. A Legião realmente foi um retrato de uma geração, mas não creio que as músicas terão apelo para nossos futuros adolescentes.

    Recentemente comprei um dos discos na nova edição remasterizada, e achei tudo bastante caprichado. Vale a pena ter o seu preferido na coleção.

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  2. Em primeiro lugar, odeio Legião.

    Em segundo, é impossível você se lembrar de quando “Eduardo e Mônica” surgiu, pois a música foi lançada em 1985 ou 1986. Seu irmão também não é tão mais velho que eu, se não me engano, a ponto de estar fazendo intercâmbio em 1985 ou 1986.

    Mas “Eduardo e Mônica” traz-me algumas lembranças. Lembro-me de como eu já odiava essa música, principalmente porque passava direto no rádio quando meu pai me pegava na escola e ficava comigo à tarde rodando por São Paulo a trabalho (nessas eu costumava ganhar uma revista Disney, que me distraía por algum tempo, geralmente menos que o suficiente, pois eu acabava de ler antes de ele acabar o que tinha de fazer). Eu estava no primário, ainda não tinha aula de geografia e ficava maravilhado com o conhecimento do meu pai sobre as ruas da cidade, sobre como achar qualquer bairro etc., quase sempre sem a ajuda do guia. Aí eu imaginava que isso era algo que você aprendia na aula de geografia. Pouco tempo depois eu descobriria que não é bem assim. Tive de aprender na marra, mesmo.

    Para fechar, eu o-d-e-i-o Legião!

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