É a fome, estúpido

texto de José de Souza Castro:

Aos poucos, vão se tornando mais claras as razões do levante no Egito e o que levou centenas de milhares de pessoas a protestarem nas ruas contra a ditadura militar que vigora no país há quase 60 anos, desde a independência da Grã-Bretanha. Começa a ficar evidente que os revoltosos não foram mobilizados por meio das novas mídias, incluindo aí o Facebook e o Twitter, mas pelo poderoso ronco das barrigas famintas.

Na página de opinião do “The New York Times”, neste domingo, o colunista Frank Rich traz uma contribuição importante à compreensão do fenômeno, ao mesmo tempo em que critica amargamente o desconhecimento da imprensa dos Estados Unidos – e dos norte-americanos em geral – sobre a realidade egípcia.

Nem é preciso dizer que é ainda mais profundo o desconhecimento da nossa imprensa – e dos brasileiros.

Só a ignorância explica que tenhamos embarcado nessa onda do poder da nova mídia para derrubar ditaduras na África e no Oriente Médio. Um jornalista que está cobrindo os acontecimentos no Cairo, Richard Engel, da MSNBC, é outro que afirma que a revolta não tem nada a ver com Twitter e Facebook, ao contrário do que diz na Globo, por exemplo, Miriam Leitão.

Para Engel, o movimento popular é provocado pela dignidade e orgulho das pessoas que se sentem incapazes de alimentar suas famílias.

O fato é que apenas 20% dos egípcios tinham acesso à Internet, mesmo quando ela não estava censurada pela ditadura. E que a imensa maioria dos trabalhadores gastam mais de 50% de seus salários para comprar alimentos, cujos preços dispararam nos últimos meses.

A carestia e a escassez de alimentos, agravadas pela especulação financeira, terão peso muito maior do que qualquer mídia para derrubar ditaduras e governos, nos próximos anos.

Não adianta continuarem investindo cerca de US$ 1,5 trilhão por ano em compra de armas, pois a verdadeira insegurança é a insegurança alimentar, que ameaça sobretudo os países pobres, exatamente os mais castigados pelas ditaduras.

O diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), Jacques Diouf, alertou neste domingo, em artigo publicado pela “Folha de S. Paulo”, que o Índice de Preços dos Alimentos da FAO voltou a atingir seu nível mais alto no final de 2010.

“E, nos próximos anos, a volatilidade e os preços continuarão altos, se não atacarmos as causas estruturais do desequilíbrio do sistema agrícola internacional”, acrescentou.

A insegurança alimentar, acentuou Diouf, “dará margem à instabilidade política em diversos países e poderá ameaçar a paz e a segurança mundial”.

Não é o Facebook, não é o Twitter. É a fome, estúpido.

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

12 comentários

  1. Belo texto e esclarecedor. Não subestimo o poder das redes sociais, mas daí a achar que o twitter e o Facebook vão derrubar ditaduras – como tenho visto em muitos comentários – é um tanto exagerado. A questão não é apenas de informação, mas o que fazer com ela. Alguém aí lembra do fracassado #forasarney? Acho que foi recorde nos “RT´s” no twitter, mas o que foi feito com isso? Como diz a molecada lá na rede, #fail.

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  2. Não é o Facebook, não é o Twitter. Mas pode ser, além da ameaça de fome, a TV velha de guerra.

    É o que supõe a análise publicada pelo Foreign Policy sob o título “O efeito Al Jazeera”, que se inicia assim:

    “Vida longa à Al Jazeera!” entoado por egípcios que protestavam na Praça Tahrir no dia 6 de fevereiro. Muitos árabes – e não somente a equipe da Al Jazeera – vinham dizendo há anos que a rede árabe de televisão por satélite ajudaria a levar a revolução popular ao Oriente Médio. Agora, depois de 15 anos de transmissão, parece que essa previsão se tornou realidade. Poucos duvidam que a rede desempenhou um papel-chave na revolução que começou como uma ondulação em Sidi Bouzid, na Tunísia, e terminou como uma onda que ameaça passar a limpo o regime egípcio, de longa duração.”

    O artigo do FP alerta, no subtítulo, que o próximo regime ditatorial a cair poderá ser a Arábia Saudita…O texto completo pode ser lido aqui: http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/02/08/the_al_jazeera_effect

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  3. Cris, achei excelente o artigo de Wadah Khanfar. Destaco os três últimos parágrafos:

    “O Oriente Médio sem dúvida está passando por um momento de transformação histórica. A Al Jazeera e outros veículos livres de mídia não são a causa da onda de levantes e da inquietação que varre a região.

    Os motivos para isso são profundos e vão além do papel da mídia. Mas somos um fator importante para que o povo da região disponha dos meios necessários a tomar o controle sobre sua vida.

    E podemos estar certos de que o destino do Oriente Médio já não será decidido por trás de portas fechadas.”

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  4. A mídia é o principal agente modificador da sociedade brasileira, uma vez que ‘impõe’ sua opinião, pouco esclarecedora, e muito conservadora. O brasileiro ainda vive aceitando as críticas, esquecendo-se de também criticar.
    No Brasil só há um solução e tem nome, Ley de Medios, não como censura à tão falada ‘liberdade de imprensa’, mas como órgão regulador dos meios de comunicação, tão mau usados.
    Um bom exemplo de abuso, são os jornalísticos policiais comumente apresentados em emissoras do Nordeste do Brasil, detalhe: em pleno horário de almoço. As cenas? De corpos, sangue e um pouco mais…
    “É preciso ver o Jornal Nacional”, mas não é necessário acreditar em tudo que noticiam, melhor dizendo, da forma como conduzem as matérias e os textos jornalísticos e expressando visivelmente a opinião deles.

    http://www.hickribeiro.wordpress.com

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    1. Olá. Como alguém que estudou comunicação social, não posso discordar mais de você sobre a mídia “impôr” opiniões à sociedade, que aceita tudo como cordeirinhos.
      Se quiser, posso te indicar algumas leituras a respeito.
      bjs

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      1. Adoraria que me indicasse, por ser um futuro estudante de comunicação social. rsrs
        bjs

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      2. Ah, então ainda é novinho, rs 🙂
        Vai ter muita leitura boa na facul!
        Daqui uns anos quero voltar a discutir isso com vc, viu? Tenho certeza que vamos ter muito a concordar sobre o papel da mídia.
        bjos

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  5. É. Terminei o E.M ano passado, passei em Engenharia Agronômica, estou matriculado, mas não tem nada a ver comigo, e quando imagino o quanto de química que precisaria estudar, me apavoro. Se bem que o curso de jornalismo me deixa confuso, na verdade inseguro. O medo é o esmagador mercado de trabalho saturado e a não necessidade de um diploma para exercer a profissão.

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    1. Acho que vc tem que correr atrás do que realmente gosta. Porque o mercado é difícil em todas as profissões mas é só naquelas de que gostamos de verdade que temos a chance de progredir mais rápido, né? E, olha, divulgo muitas vagas para jornalistas (cerca de 12 novas a cada dois dias) e vejo que o mercado está, sim, bastante aquecido. Quanto ao diploma, ainda não está 100% definido, o Congresso está estudando a volta da exigência dele. Na prática, as empresas que sempre cobraram continuam cobrando diploma e aquelas que nunca cobraram (mesmo quando era obrigatório) continuam não cobrando. Acho que pouco mudou. Enfim, siga seus sonhos e suas paixões, é o mais importante! bjos

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