‘Pequenas Cartas Obscenas’: ficção histórica da melhor qualidade

Imagem de divulgação do filme Pequenas Cartas Obscenas.
Imagem de divulgação do filme Pequenas Cartas Obscenas.

Vale ver no cinema: Pequenas Cartas Obscenas (Wicked Little Letters)
2023 | 1h40 de duração | Classificação: 14 anos | nota 9

Fazia tempo que eu não via uma comédia tão divertida e interessante como esta. Ou melhor: um misto de comédia, drama e história policial, que se passa na Inglaterra logo após o fim da Primeira Guerra Mundial.

Ao mesmo tempo em que damos boas risadas com o humor britânico, principalmente no fim do filme, passamos também muita raiva com esse retrato de como as mulheres foram reprimidas e humilhadas por tanto tempo.

Mas o filme não se contenta em ficar repisando essa luta: prefere mostrar como havia, também, um monte de mulheres inteligentes (e muito superiores aos homens, exercendo a mesma função) que encontraram um jeito de burlar as normas machistas e moralistas da época.

Este é o grande mérito de “Pequenas Cartas Obscenas“: sua leveza. Em vez de apenas mostrar a asquerosa hipocrisia religiosa dentro dos lares, a brutalidade com que as mulheres eram tratadas em casa e no trabalho (no caso daquelas que trabalhavam) e a humilhação a que eram submetidas as mulheres que não seguiam as convenções à risca, ele prefere focar na história, fora da curva, das três protagonistas: Edith Swan, Rose Gooding e Gladys Moss.

Edith é uma mulher carola, que ainda mora com os pais, e passa os dias lendo a Bíblia, vigiando os vizinhos ou cuidando dos afazeres domésticos. Logo no começo do filme, somos informados que ela está recebendo cartas obscenas, cheias de palavrões e xingamentos de teor sexual (muitos bem engraçados, na verdade).

É interpretada pela vencedora do Oscar Olivia Colman – que também foi indicada por sua atuação no filme “A Filha Perdida“, além de também ter sido indicada por seu papel em “Meu Pai“.

Cena do filme Pequenas Cartas Obscenas, com Jessie Buckley (esquerda) e Olivia Colman.
Cena do filme Pequenas Cartas Obscenas, com Jessie Buckley (esquerda) e Olivia Colman.

Rose é uma irlandesa que se mudou para a Inglaterra com a filha Nancy. E é o oposto de Edith: desbocada, livre e fã de umas bebidas, ela acaba sendo muito malvista pela vizinhança. Quando surgem as cartas, a suspeita e culpa recaem sobre ela.

É interpretada muito bem pela Jessie Buckley, que conheci no mesmo filme “A Filha Perdida”, pelo qual também foi indicada ao Oscar.

Gladys Moss é a policial – mulher policial era raro na época, então imaginem como era tratada pelos próprios colegas e pela sociedade em geral – que não se convence da culpa de Rose e resolve investigar o caso, ainda que contrariando as ordens de seu superior. Quem interpreta essa personagem é a indiana Anjana Vasan, que eu não conhecia.

Cena do filme Pequenas Cartas Obscenas, com Anjana Vasan no papel de Gladys Moss.
Cena do filme Pequenas Cartas Obscenas, com Anjana Vasan no papel de Gladys Moss.

Esta é a história do filme, que já seria suficientemente boa por si só, mas fica ainda mais interessante quando descobrimos que é baseada em fatos reais. Sim: existiram uma Rose, uma Edith e uma Gladys, e as cartas obscenas, a investigação policial e os julgamentos foram fartamente noticiados pelos jornais da época, como mostra este post (bem legal) do site History vs Hollywood.

É claro que não vou contar aqui quem escreveu as cartas, por quê, e o que acontece com as três personagens. Como bem sabem meus leitores, detesto spoilers. Na verdade, fui assistir ao filme sem ter visto nem o trailer nem nada sobre ele, sem saber nem mesmo de que gênero era. E talvez isso tenha deixado a experiência ainda mais saborosa.

Em resumo, é uma belíssima ficção histórica (porque é claro que existem algumas licenças poéticas…), do gênero comédia-dramática-policial, com atores veteranos da melhor qualidade (além das três protagonistas, ainda temos Timothy Spall, Gemma Jones, Malachi Kirby e outros). Um filmaço.

Uma história leve e profunda, ao mesmo tempo. Divertida e angustiante. Repugnante e esperançosa. Ah sim, porque evoluímos, e muito, nesses últimos 100 anos. Somos uma sociedade mais justa, racional, educada – e higiênica. Ver filmes como este nos mostra como as coisas melhoraram, inclusive no judiciário e na imprensa. (Tomara que os trogloditas que tentam ocupar o poder atualmente não nos façam retroceder tanto…).

Assista ao trailer do filme Pequenas Cartas Obscenas:

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

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