11 vantagens de ser bobo, por Clarice Lispector

A obra Walk, de Marc Chagall, pintor citado por Clarice Lispector como exemplo de 'bobo'
A obra Walk, de Marc Chagall, pintor citado por Clarice Lispector como exemplo de 'bobo'

Engraçado como a gente vai mudando ao longo da vida – inclusive nossos gostos. Há 13 anos, escrevi neste blog que tinha gostado de ler Clarice Lispector – ou pelo menos as cartas que ela escreveu para seus amigos (Fernando Sabino, Drummond etc.), e que foram compiladas no livro “Correspondências”.

Neste ano, já não gostei muito de ler Clarice – ou pelo menos suas reflexões/divagações/crônicas/chame-como-quiser, que saíram publicadas no “Jornal do Brasil” nos anos 60 e 70 e que foram compiladas no livro “Aprendendo a Viver“.

Achei a maioria esmagadora dos textos chata, entediante, com Clarice inclusive admitindo que não tinha assunto nem vontade de escrever: “Aliás eu não queria mais escrever. Escrevo agora porque estou precisando de dinheiro“, disse ela na página 221.

O que Annie Ernaux, por exemplo, tem de objetiva e cirúrgica, Clarice tem de subjetiva, repetitiva e desnecessariamente prolixa. Muito do que ela escreve é embromation pura, que parece ter sido feito só pra cumprir tabela, e receber o dinheirinho do JB. Isso quando não é simplesmente nonsense.

Para não ser injusta (e considerando que Clarice tem milhões de fãs pelo mundo, e eu sou uma mera ninguém), digo que há também, é claro, algumas sacadas boas, de uma pessoa que sabia ser boa frasista, de vez em quando.

Pincelei algumas destas boas frases na página @pilulasdereflexoes, ao longo dos meses em que fui lendo este livro, intercalado a outros bem melhores. Teve, por exemplo, este trecho em que ela fala (pela milésima vez) sobre o ato de escrever:

Trecho de Clarice Lispector sobre o ato de escrever, tirado do livro 'Aprendendo a Viver'

Concordo com ela: escrever é procurar entender. Para mim, assim como talvez fosse para ela, é uma necessidade, uma terapia, uma bênção. Muitas vezes, se não escrevo, fico com um incômodo entalado na garganta (ou no cérebro), como se fosse um caroço, que preciso sentar no computador pra arrancar. Só isso explica eu ter um hobby como este blog, que me toma um tempão, não me dá nenhum dinheiro, e já dura 13 anos, né? 😉

Na página 188 do livro, encontrei outro texto interessante – que eu já conhecia, aliás. Ele foi narrado em um vídeo, que coloquei lá naquele post de 2010 sobre o outro livro da Clarice. Seu nome: “Das Vantagens de Ser Bobo“.

Nessa crônica, Clarice cita 19 vantagens de ser bobo (ou boba, já que está falando de si mesma, autocentrada como era), além de 2 desvantagens. Nem todas são legais, mas selecionei minhas favoritas para compartilhar aqui, para mostrar – a mim mesma, talvez – que Clarice Lispector não é de todo chata.

Veja a seguir (os números e os negritos fui eu que acrescentei, ok?).

11 vantagens de ser bobo

  1. “O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo.
  2. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando.
  3. Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. (…)
  4. A vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.
  5. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu. (…)
  6. Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
  7. Os bobos, com suas palhaçadas, devem estar todos no céu. (…)
  8. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
  9. Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita o ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
  10. Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.
  11. É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.”

É isso. Concordo com esta parte do que escrevi há 13 anos: sejamos bobos! 😀

***

Para quem quiser mais informações sobre o livro, aí está:

Capa do livro Aprendendo a Viver, de Clarice Lispector“Aprendendo a Viver”
Clarice Lispector
Ed. Rocco
253 páginas
R$ 46,99 na Amazon, com capa dura (preço consultado na data da publicação do post; sujeito a alterações)

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, escritora, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1, TV Globo, O Tempo etc), blogueira há mais de 20 anos, amante dos livros, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Autora dos livros A Vaga é Sua (Publifolha, 2010) e (Con)vivências (edição de autor, 2025). Antirracista e antifascista.

2 comments

  1. Engraçado, passei pela mesma coisa esse ano. Clarice era uma das minhas autoras favoritas uns 10 anos atrás, e mês passado tentei ler Perto do Coração Selvagem. Nem terminei, achei viajado demais e sem sal.

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