Sobre a utilidade das bancas de revistas sem álbuns de figurinhas

Banca de revista em foto de Matthew LeJune / Unsplash / Divulgação
Banca de revista em BH, em captura do Google Street View feita em agosto de 2019.

Já contei por aqui que o Luiz agora adora dinossauros. Dia desses, passei por uma banca de revistas que fica dentro de um shopping e vi lá um álbum de figurinhas de dinossauros. Não comprei, mas fiquei com aquilo na cabeça. O Luiz não sabe o que é álbum de figurinhas e não entende nem o conceito de trocar figurinhas com os amiguinhos (aliás, neste 2020 pandemônico, ele nem conviveu com outras crianças). Mas é um conceito MUITO legal! E ele ia adorar preencher aquele álbum com seus dinos favoritos: ornitomimos, tricerátopes, terizinossauros, espinossauros etc.

Então, numa segunda vez que passei pelo mesmo lugar, resolvi perguntar pelo álbum. “Já acabou”, disse o vendedor. Mas levei três pacotinhos de figurinhas, na esperança de encontrar o livro depois.

Nesta minha semana de folga, após um plantão cansativo no Natal, fiquei 24 horas por dia grudadinha no Luiz, inventando mil coisas pra gente fazer. Na manhã do dia 30, resolvi iniciar uma caçada ao álbum perdido. Fomos primeiro, a pé, até a banca mais perto de casa. “Não tenho álbum”, disse a vendedora.

Depois pegamos o carro e fomos percorrendo a vizinhança, parando de banca em banca.

Jornais agora servem só pra limpar cocô de passarinho e embalar coisas pra mudanças? Foto: CMC em 31/12/2020

O resultado da aventura é que fiquei abismada com a decadência das bancas de revista. A maioria, pra começo de conversa, não vende mais revistas. “Tenho jornais limpos —  para pets, mudanças etc”, dizia o cartaz em uma das bancas. Ou seja, as pessoas não compram mais jornais para ler, compram para limpar o cocô do cachorrinho ou embalar as coisas de casa na hora da mudança.

Isso é deprimente para uma jornalista, como eu, que além de tudo trabalhou em jornais e revistas impressos em boa parte da vida profissional.

Passamos por umas sete ou oito bancas. A maioria não tinha nem revistas nem jornais, mas estavam lotadas de cabos de celular, máscaras para Covid, meias, capinha de smartphone, óculos escuros e outras traquitanas.

Algumas até tinham revistas, mas eu logo perguntava se tinham “álbum de figurinhas” e os vendedores nem me deixavam acabar de explicar: já iam logo balançando a cabeça, com desdém. Não, não tenho isso. Como se eu estivesse pedindo, sei lá, um kit de copos de saquê (era mais provável que tivessem o tal kit). Enfim, como se eu tivesse surgido de Marte pedindo algo impossível.

Poxa, mas é um álbum de figurinhas! Não é nas bancas de revistas que compramos isso mais? Fiquei lembrando de quando eu era criança, que passava horas na banca da Creusa, lá perto de casa, folheando as revistinhas, batendo papo com ela, conversando com outros vizinhos que paravam ali para fazer o mesmo. Foi na banca da Creusa que eu, interagindo com uma vizinha, consegui meu primeiro trabalho fixo: fui ajudar a filha dela a fazer o dever de casa, quatro vezes por semana —  a incríveis R$ 5 por semana.

Ok, não consegui bons empregos na banca de revistas, mas consegui boas leituras e boas interações sociais. Hoje em dia as bancas vendem meias, e não dá pra fazer amizade conversando sobre meias, não é mesmo? Sobre livros, revistas —  e figurinhas, claro —  é bem mais fácil.

Pra não dizer que não consegui encontrar nenhuma banca que vendia álbuns, vou ser justa e admitir que uma delas vendia, só não o de dinossauro que eu vinha procurando.  Frustrada, falei com o Luiz: “Ah, filho, no tempo da mamãe era muito melhor! As bancas de revista realmente vendiam revistas! As pessoas não ficavam com a cara enfiada num celular o dia inteiro! E não tinha coronavírus!”

Ele não pensou muito antes de concordar e dizer que gostaria de ter vivido no meu tempo…

Mais resignada, peguei o celular (que lembrei que não existia quando eu era criança),  acessei a internet 4G, fui até o site da fabricante e comprei um álbum e vários pacotinhos de figurinhas para passar o tempo com o Luiz quando a encomenda finalmente chegar.

Não é tão divertido quanto ir a uma banca e comprar a desejosa revista, sem pagar frete nem ter que esperar dias por isso, mas, OK, é prático. Taí, conseguiram um mundo mais prático pra geração do Luiz. E eu só consigo me perguntar: “E daí?”

 

 

P.S. (Por um 2021 mais nostálgico e menos prático para todos nós!)

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

9 comentários

  1. Sim, Cristina!. Temos dois álbuns completos da Copa do Mundo de 1982, dos chicletes ping pong. Pegávamos, inclusive, alguma na rua, aqui mesmo, que as outras crianças jogavam fora, ainda dentro das embalagens. Queriam apenas os chicletes, Mas, os tempos mudaram, para pior, na minha opinião. Mas fazer o quê?, né!

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  2. Ah, Cris, também fiquei nostálgica com o seu texto. E isso mesmo, compartilhe com o Luiz o que há de melhor, o que inclui a bagagem adquirida no passado.
    Aqui em SP, também as bancas de jornal são poucas e vendem de tudo, menos jornais e revistas, rsrs! Só tem uma, com pouca variedade de edições.
    Eu sempre amei revistas, por conta das bancas de jornal. Isso influenciou bastante na escolha da profissão, claro!
    Também colecionei figurinhas, joguei bafo, não gostava de chicletes, mas usava as tatuagens. Acho que estava adivinhando que seria alérgica e não poderia ter tattoos de verdade no futuro.
    Obrigada pelo texto, Cris e lindo 2021!

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  3. As bancas de hoje têm de vender de meias e máscaras covid até bijuterias se quiser sobreviver. E a vida segue. E a nostalgia também. Houve um tempo que eu visitava todas as bancas de revistas e levava pra casa pelo menos 5 publicações por semana. Mas os tempos são outros e eu já sou um dinossauro. O luiz vai se interessar por mim.
    Abraços!

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