O Rolls-Royce da mãe dos pobres

É mania dos pais dos pobres quererem andar de Rolls-Royce...

texto de José de Souza Castro:

Leio hoje no Globo que no ensaio feito na tarde deste domingo, em Brasília, do desfile que levará a presidente Dilma Rousseff, da Catedral de Brasília até o Palácio do Planalto, no dia da posse, o Rolls-Royce presidencial teve superaquecimento no motor e parou o ensaio por alguns minutos. Havia excesso de aditivo na água do radiador. Uma pena que o problema tenha sido tão simples. Assim, não ficamos livres, finalmente, de uma das vergonhas nacionais.

Esse Rolls-Royce, que enfeitou a posse de todos os presidentes da República desde que foi comprado por Getúlio Vargas, é um símbolo vistoso de como o Brasil tem sido mal governado. Para quem quer conhecer melhor a história desse automóvel, um bom relato foi feito pelos advogados paulistas Antônio Sérgio Ribeiro e José Antônio Vignoli Penteado, num artigo que pode ser lido AQUI.

“O pai dos pobres”, como era chamado Vargas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda da ditadura que infernou o país de 1937 a 1945, voltou à Presidência da República em janeiro de 1951, eleito por voto direto. No mesmo ano, deu ordens ao major Ene Garcez dos Reis, chefe do pessoal da Presidência da República e responsável pelo Serviço de Transportes da Presidência, para comprar dois automóveis que iriam substituir os Cadillacs modelos 1941 fechado e 1947 aberto (conversível).

Os escolhidos foram os Rolls-Royce modelo Silver Wraith, um fechado e outro conversível. Esse modelo é considerado o melhor, entre os carros já construídos pela fábrica inglesa. De 1946, quando começaram a ser montados, até 1958, quando a fabricação foi suspensa, foram produzidos apenas 639 Silver Wraith. Uma raridade. O conversível presidencial poderia ser vendido por bom preço a um colecionador particular, sem qualquer prejuízo para a história do Brasil.

O país avançou muito, desde 1952. O presidente da República agora já não se preocupa tanto com automóvel. Lula, por exemplo, já comprou avião, chamado vulgarmente de AeroLula, e quis comprar um outro por mais de 500 milhões de reais, para deixar a Dilma. Alguma coisa não deu certo, e a compra não foi feita.

Não foi sem tropeços, também, que Vargas comprou os Rolls-Royce. Pelo preço pago ao que vai servir agora a Dilma, podia-se comprar na época sete automóveis esportivos Jaguar do tipo XK 120. Como justificar esse dinheirão todo gasto em automóveis para deleite do “pai dos pobres”?

Em 1952, Carlos Lacerda, da UDN, partido de oposição a Vargas, estava apenas esquentando sua metralhadora giratória que levaria o presidente a se suicidar em agosto de 1954. Contra os Rolls-Royce, quem fez a primeira denúncia foi um senador do próprio partido do presidente, o PTB. Em julho de 1953, Alencastro Guimarães denunciou da tribuna do Senado a emissão de uma licença de importação para a compra de quatro automóveis junto à Rolls-Royce. Dois ficariam com a Presidência da República e dois seriam vendidos no mercado negro por uma firma particular. Na época, havia restrições para a importação de artigos de luxo.

A oposição tomou o pião na unha, e o governo tentou explicar que os dois Rolls-Royce eram um presente a Vargas feito por um grupo de amigos, entre eles o então presidente da Confederação Nacional da Indústria (sempre ela!), deputado Euvaldo Lodi.

A versão não se sustentou, e surgiu outra: seria um presente da Rainha da Inglaterra, Elizabeth II. Pobre rainha… Mas vou parar por aqui. A história de mais essa fraude está contada no artigo citado. Haverá outras versões, é claro. Cada um que conte a sua.

Antes de encerrar, uma última informação: o outro Rolls-Royce (o fechado) ficou com os herdeiros de Vargas, uma solução à brasileira encontrada por Juscelino Kubitschek para resolver o imbróglio da posse dos automóveis comprados pela Presidência sem papel passado. Assim, o vice, Michel Temer, terá que desfilar no próximo dia 1º de Cadillac, enquanto sonha com o Rolls-Royce de Dilma. Melhor dizendo, com o cargo dela, pois o Rolls-Royce é apenas um mau símbolo da importância do cargo.

Para transportar Dilma, só no dia da posse ou no desfile de 7 de Setembro. Lula usa, desde junho de 2008, um Ford Fusion fabricado no México, dado em comodato pela Ford, que o substituiu, este ano, por um Ford Fusion Hybrid. Antes, o presidente da República usava um Chevrolet Ômega fabricado no Brasil. A montadora norte-americana alega que, ao ceder de graça um carro ao presidente, ela lucra com a propaganda promovida pelo ocupante do cargo. Não é uma graça?

E por falar em graça, será por que Lula recebe hoje às 18 h, no Palácio, faltando cinco dias para deixar o cargo, os diretores da Andrade Gutierrez Flávio Machado e Sérgio Andrade? E às 19 h, o vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo Camargo Corrêa, Luiz Nascimento? Serão os tais negócios da Presidência da República?

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

4 comentários

  1. E esse comentario idiota sobre os diretores da Andrade Gutierrez e da Camargo Correia?? Qual seria o problema se ele tivesse recebido?

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    1. Idiota é quem faz comentários agressivos em um blog só porque está anônimo, protegido atrás de uma tela de computador, como todo covarde que se preze.
      E também quem não consegue pensar e ver relações e interesses políticos tão evidentes.
      No próximo comentário ofensivo, vou deletar de cara, sem publicar.

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