Acho que eu nunca tinha lido (devorado?) um livro de mais de 500 páginas tão rápido. Em uma semana, terminei este “Três“, de Valérie Perrin, primeiro devagarinho, assimilando as histórias e personagens, depois mais vorazmente, aproveitando não só os tradicionais minutinhos de leitura antes de dormir, mas também qualquer outra pausa que eu encontrasse ao longo do dia.
(E olha que nem levei o livro a passeios; ele ficou guardadinho dentro de casa, porque foi emprestado pela professora Taís e eu não queria correr o risco de estragar.)
O fato é que esta história nos prende muito rapidamente. De novo, a autora usa a técnica de escrever em camadas, mesclando capítulos curtos que vão e voltam no tempo, como já tinha feito com “Água Fresca Para as Flores“. Na época que li aquele livro, assim expliquei a técnica de Valérie Perrin:
“Ela conta um pouquinho de um passado remoto, nos anos 80. Quando estamos começando a entender aquela parte da camada, ela volta para o presente, em 2017. Depois recua mais um pouco, para os anos 90. E assim vai, em um movimento de ondas, se abrindo aos pouquinhos, como quem quer se preservar, mesclando o passado e o presente – e prendendo os leitores com o suspense gerado pela espera da continuação daquela história.”
No caso deste livro, vários anos também se passam – toda uma vida – entre 1987 e 2017. É comum estarmos lendo sobre algo que se passou no marcante ano de 1994, e bruscamente sermos guiados de volta para 2017, e depois puxados, em outro par de páginas, para 2003. Embora a autora conduza muito bem essa técnica de narrativa em ziguezague (que também mescla vozes de narração diferentes), muitas vezes tive que respirar entre um capítulo e outro, e pensar um pouco para me situar no tempo daquelas vidas.
As vidas contadas são principalmente dos três protagonistas que dão título ao livro: Nina, Étienne e Adrien. Conhecemos o trio logo que ele se forma, na escola, e se torna inseparável, adolescência adentro. Três amigos que se amam como irmãos, daquele tipo que faz pacto de lealdade eterna juntando dedos manchados de sangue.
Em boa parte dessa história, até o início da vida adulta dos três, somos apresentados a uma amizade muito doce, muito alegre, muito suave. A infância dos três é feliz. A adolescência dos três é maravilhosa. Mesmo com alguns percalços (como um professor perverso), no geral, eles estão bem, divertem-se, amadurecem juntos, descobrem o mundo, ainda que restrito ao mundinho onde vivem.
Essa aventura tem até trilha sonora (fiquei com vontade de ler com o Spotify ligado por perto), que aparece em vários momentos do livro, como aqui na página 252:
A presença das músicas (e de outras referências culturais) é tão marcante que ganhou um parágrafo imenso nos agradecimentos feitos pela autora ao final do livro:
Aquela infância e adolescência tão doce e nostálgica é contrastada por uma vida adulta em que os mesmos personagens aparecem tristes, ressentidos e afastados uns dos outros. Se o livro tivesse sido escrito em ordem cronológica, talvez gerasse outro efeito em nós. Do jeito como foi feito, aquelas camadas intercaladas de tempo que já expliquei, ficamos o tempo todo com a pulga atrás da orelha, nos perguntando o que aconteceu naquelas vidas para que os jovens Nina, Étienne e Adrien ficassem tão diferentes de suas versões aos 40 anos.
É um suspense enorme, mesmo não se tratando de um livro policial. Vários pequenos mistérios vão se acumulando a cada capítulo. Quem é esta personagem que fala em primeira pessoa e ainda não apareceu no passado? Como a outra personagem desapareceu? O que aconteceu com ela? Por que os três amigos inseparáveis chegaram aos 40 anos sem se falar? Por que o casal de pombinhos nunca se casou? Por que aquela menina gentil de repente se tornou tão amargurada? E assim por diante.
São três décadas de vidas descritas, e muita coisa pode acontecer nesse meio-tempo. Nascimentos, mortes, doenças, casamentos, separações. Desvios de rota, cursos diferentes de vidas que levam amigos a se afastarem ou amizades a se romperem. Lemos como se estivéssemos assistindo a toda essa saga, curiosos com as explicações para um presente que seria improvável naquele passado.
Um livro com tantas páginas e tantas décadas e histórias dentro de si conseguiu explorar muitos temas diferentes também. “Três” trata, por exemplo, de relacionamentos abusivos (entre professor e aluno e entre marido e mulher), de abandono (as várias formas de se abandonar um filho, uma namorada, um animalzinho), de luto, de sexualidade, de fama e vaidade, de doença e morte digna. São muitas camadas de assuntos, como são muitos os dramas e emoções que compõem nossas vidas de verdade. Não dá tempo de nos entediarmos.
Mas acho que o tema mais óbvio e importante é a amizade. Toda a complexidade de uma relação entre amigos de verdade. Toda a vulnerabilidade necessária para nos ligarmos de verdade a alguém. E toda a fragilidade dessa ligação, que pode se romper num estalar de dedos, se não cuidarmos direito de quem amamos.
Afinal, “você é responsável por aquele que cativa”, já dizia aquela frase do clássico “O Pequeno Príncipe”.
Três
Valérie Perrin
Ed. Intrínseca
523 páginas
R$ 70,82 na Amazon (preço consultado na data do post, sujeito a alteração)
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Muito massa, Vaneza. Deu até vontade de comprar o livro. Olha que coincidência, todos as músicas citadas na página 252, exceto as francesas, fazem parte da minha playlist no Spotify.
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Acho que vai adorar então! 🙂 Mas quem é Vaneza? Hehehe
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Ops! me desculpe, Cristina. Eu estava com esse nome na minha cabeça e acabei digitando.
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Tranquilo! Imaginei que era algo assim 😁
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