O centenário de um grande contador de histórias

Tio Totonho em seu aniversário de 90 anos, em 2013.
Tio Totonho em seu aniversário de 90 anos, em 2013.

Texto escrito por José de Souza Castro:

Quando o assunto é o centenário de um grande contador de estórias, eu poderia escrever sobre Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que estaria comemorando a data em 2023, se não tivesse morrido aos 45 anos. Seus casos, que eu lia em jornais e livros, dão longa vida ao autor.

Mas eu não o conheci pessoalmente, ao contrário do tio Antônio Cabral Sobrinho, o Totonho, cujos casos me encantaram desde que me entendo por gente. E eles sobrevivem, nove anos depois de sua morte aos 91 anos, apesar de nunca tê-los escrito.
Escrevi sobre o tio Totonho aqui no seu aniversário de 90 anos. O convite que recebi de parentes que organizam uma festa para o dia 21 de julho no município mineiro de Bom Despacho, onde tio Totonho sempre morou, me trouxe de volta à memória muitos outros casos que sempre acreditei fossem reais.
Trecho do convite para celebrar 100 anos do tio Totonho, em Bom Despacho
Trecho do convite para celebrar 100 anos do tio Totonho, em Bom Despacho
Como não confio mais na exatidão de minhas lembranças, vou aproveitar o que escrevi há oito anos em “Minhas histórias de Castros, Cabrais e Morenos”, um livro de 200 páginas. Foram impressos apenas 25 exemplares para enviar aos filhos e parentes próximos.
Totonho é o quarto dos doze filhos de Maria das Dores de Jesus e Luiz Cabral de Souza, o vô Zico. Cinco filhos continuam vivos: os tios Joana, Otaviano, Terezinha, Homero e Maria Vilda.
Maria das Dores de Jesus e Luiz Cabral de Souza, o vô Zico, com seus 12 filhos.
Maria das Dores de Jesus e Luiz Cabral de Souza, o vô Zico, com seus 12 filhos.
O terceiro filho, Francisco – o tio Chico –, nasceu 15 meses antes de Totonho.
Os dois andavam com pés descalços, mas quando foram matriculados na escola, precisaram de sapatos. Como o dinheiro não dava para dois pares, cada um calçava um sapato e, para despistar, amarravam uma tira de pano no dedão do pé descalço. Deu certo, até que uma coleguinha mais atenta exclamou em plena sala de aula: “Uai, ontem o seu dedo machucado era do outro pé”.
Se enganaram do pé e do sapato. Mas nascia ali mais um caso engraçado para Totonho e Chico contarem pelo resto da vida.
Outro que ouvi do Totonho no dia seguinte ao do aniversário de 90 anos não era engraçado, mas ri feliz. Ele contava a meu pai: estava preocupado, pois havia comprado para pagar em prestações cinco mesas de sinuca para seu bar, inaugurado pouco tempo antes num espaço alugado. E ouviu do compadre Homero:
“Não precisa preocupar, compadre. Porque uma coisa que dá muito dinheiro é o vício dos homens”.
Meu pai era viciado em cigarro desde os 14 anos e só se livrou aos 51, quando o médico mostrou a ele a radiografia de seus pulmões e avisou: “Se não parar de fumar, vai morrer em três meses”. O efeito da ameaça foi imediato. Ele tirou o maço de cigarro do bolso da camisa e jogou na lixeira do médico. Meu pai fumava três maços de Continental sem filtro por dia. Nunca mais pôs um cigarro na boca, mesmo tendo vivido outros 10 anos.
Sim, ele acertou também no conselho que deu ao tio Totonho. Que, ao terminar de pagar as prestações, comprou outras cinco mesas de sinuca, lançando os fundamentos para uma vida próspera de comerciante e fazendeiro, sem mais necessidade de explorar o vício dos homens.
Na pobreza e na riqueza, sempre um alegre contador de estórias.

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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

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