Pimentel, o ministro fujão

Texto de José de Souza Castro:

Temos no Brasil um caso curioso: um ministro que há dez dias foge dos repórteres. Trata-se de Fernando Pimentel, um político que até recentemente foi muito bem tratado pelos jornalistas – e ainda o é na imprensa mineira, beneficiada por verbas publicitárias generosas quando ele comandou a Prefeitura de Belo Horizonte, entre 2003 e 2008, e que continua muito interessada, agora, nas verbas do Governo Dilma Rousseff.

Afinal, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior é amigo de uma ilustre mineira, a presidente Dilma Rousseff, e de poderosos empresários com ligações na Fiemg e na Confederação Nacional da Indústria, esta presidida atualmente pelo ex-presidente da Federação das Indústrias, Robson Andrade. Nascido em São João Del Rey, terra de Tancredo Neves, Robson é dono da Orteng, uma empresa que cresceu muito desde que ele entrou para a Fiemg e Aécio Neves assumiu o governo mineiro, como já escrevi a respeito.

É interessante a história de Pimentel, que se pode resumir assim: nascido em Belo Horizonte em 1951, foi preso em 1970, como militante político contra a ditadura, juntamente com a amiga Dilma Rousseff. Libertado três anos depois, formou-se em Economia pela UFMG. Foi diretor do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais por seis anos, presidente do Conselho Regional de Economia em 1991 e 1992, secretário da Fazenda de Belo Horizonte entre 1993 e 1996, na gestão de Patrus Ananias (PT), e secretário de Governo, Planejamento e Coordenação Geral no primeiro mandato de Célio de Castro (PSB). Eleito vice-prefeito em 2001, assumiu a prefeitura dois anos depois, após afastamento do prefeito Célio de Castro (PSB) por motivo de saúde. Reeleito em 2005, Pimentel aprofundou sua amizade com o governador Aécio Neves (PSDB) e promoveu a derrocada do PT na capital mineira.

Dito isso, convém explicar. Primeiro, em abril de 2008, contrariando o ex-prefeito Patrus Ananias, Pimentel defendeu a coligação do PT com o PSDB para a eleição do candidato do governador, Márcio Lacerda. Dois anos depois, venceu Patrus nas prévias do PT para a escolha do candidato ao governo de Minas, mas acabou optando por disputar o Senado, devido à pressão do presidente Lula em favor de sua candidata à Presidência da República (Lula queria evitar que Aécio fizesse uma dobradinha com José Serra, diminuindo as chances de vitória de Dilma Rousseff). Pimentel passou apoiar o candidato do PMDB ao governo de Minas, Hélio Costa (PMDB). Ambos foram derrotados.

O candidato petista ao Senado teve 24% dos votos, menos que os ex-governadores Itamar Franco (26,7%) e Aécio Neves (39,4%). Ao se apresentar candidato ao Senado, Fernando Pimentel declarou à Justiça Eleitoral 12 bens que somavam R$ 1,6 milhão, incluindo uma casa e dois apartamentos em Belo Horizonte e aplicações financeiras de R$ 690.868,00 em fundos de investimentos de vários bancos, além de cotas de duas firmas (Belo Horizonte Couros e Fapi Imóveis) no valor de 106 mil reais. Foram bens acumulados desde que se formou em Economia, ou num período de mais de trinta anos.

Uma das muitas questões que ele não consegue explicar agora – e por isso foge da imprensa – é como em apenas dois anos, desde que deixou a prefeitura, conseguiu ganhar dois milhões de reais, como dono de uma pequena empresa de consultoria, sendo que metade desse dinheiro veio da Fiemg, presidida pelo amigo Robson Andrade. A Federação das Indústrias, por viver principalmente de dinheiro dos contribuintes de impostos federais, não poderia doar o dinheiro para a campanha de Pimentel, pois está proibida pela legislação. E a explicação dada por Robson Andrade, de que pagou o ex-prefeito para que fizesse palestras em regionais da Fiemg, não convenceu.

Jânio de Freitas, respeitável articulista da “Folha de S. Paulo”, é um dos que duvidam. Há duas semanas, escreveu: “O ministro Fernando Pimentel informa que está tranquilo. O desagradável é que muitos, incontáveis pelo país afora, não estão tranquilos – por causa do ministro Fernando Pimentel. Cada dia da semana foi, na voz do ministro questionado, um eco do dia anterior. Ainda que poucos, nem os negócios de sua alegada consultoria (antes de assumir) receberam a comprovação necessária, quando referidos por Pimentel; nem as suspeições mais recentes receberam dele alguma palavra a título de explicação”.

A presidente Dilma Rousseff, nesta semana, durante café da manhã com os jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto, declarou: “Meu governo não tem compromisso com qualquer prática inadequada de malfeito, de corrupção, dentro do governo. Nenhum. Zero, tolerância zero”. Mas a intolerância não atinge o amigo, pois na mesma ocasião, afirmou que o caso Pimentel “não tem a ver com o meu governo. Nada a ver, o que estão acusando, com o meu governo, nada”.

Quanto a isso, preciso recorrer novamente a Jânio de Freitas, que em outro artigo raciocinou:

“Fernando Pimentel não é um cidadão comum em momento embaraçoso da vida. Admitamos, por um instante, a tese de que os questionamentos recaem sobre fatos anteriores à entrada no governo. E que isso basta para inocentá-lo moralmente, em relação ao governo.Trata-se, no entanto, de um ministro que mentiu e mente, como ministro, quando questionado como ministro e porque ministro (não o fosse, não seria questionado, como não o foi durante os dois anos de apenas “consultor”).”

Pimentel foge também do Senado e da Câmara dos Deputados, onde os líderes do governo tudo fazem para impedir que ele seja convocado a se explicar. A esperança do ministro e da amiga presidente é que o assunto seja esquecido pela imprensa e pelos eleitores. Nesse esforço, há episódios bizarros, como o que ocorreu nesta terça-feira no Senado: a Mesa Diretora atribuiu a um equívoco do primeiro-secretário, senador Cícero Lucena (PSDB-PB), a não votação do requerimento feito pelo partido para que o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior respondesse em trinta dias a 12 perguntas, por escrito, já que ele se recusa a comparecer à Casa. Lucena teria confundido o requerimento com outro direcionado ao ministro da Educação.

Com isso, Pimentel ganhou pelo menos dois meses para dar as respostas, tempo suficiente para que seja esquecido. Para não cansar o leitor, não vou me estender às perguntas feitas a ele pelo PSDB. Os interessados podem ler AQUI.

Pouco antes de começar a fugir de repórteres e parlamentares, Pimentel concedeu entrevista a Fernando Rodrigues, da “Folha de S. Paulo”, em que afirma que é amigo da maioria dos empresários de Belo Horizonte. Certamente, muitos deles têm cargos na Fiemg, que em 2004 chegou a apresentar um projeto para a reformulação total da Praça Raul Soares, de modo a facilitar o trânsito de veículos na região. Entre outras megalomanias, seriam construídos túneis sob a praça. O projeto não foi adiante, pois a prefeitura não tinha como superar um obstáculo: a praça, inaugurada em 1932, é tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA).

Concluindo: político bom tem que tomar cuidado com empresários egocêntricos, gananciosos e desinformados, para não se transformar num Pimentel.


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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

1 comentário

  1. Fernando Pimentel reapareceu, como informa o repórter Thiago Herdy, no jornal “O Globo”, deste sábado. Ele foi homenageado com um almoço no restaurante Vecchio Sogno, em Belo Horizonte, na sexta-feira, dia 23, por cerca de 30 empresários e amigos. E saiu no carro de Otílio Prado, seu antigo assessor na prefeitura e sócio na consultoria P21. Prado continuou trabalhando com o prefeito Márcio Lacerda, mas deixou o cargo no início deste mês, quando o mesmo jornal revelou que a empresa dele e de Pimentel faturou R$ 2 milhões em dois anos.

    No trajeto entre o restaurante e o veículo, Herdy abordou Pimentel. Vale a pena ler a íntegra das perguntas do repórter e das respostas do ministro fujão:

    HERDY – O senador Aécio Neves (PSDB) deu declarações hoje, queria repercutir com o senhor. Na opinião dele, o senhor deveria ir ao Congresso Nacional..

    PIMENTEL – Mas você começou a sua pergunta usando o tempo do verbo no tempo certo. Você queria. Continue querendo.

    HERDY – Mas o senhor não vai responder? Meu papel, como repórter, é ouvir o outro lado, é ouvir o senhor.

    PIMENTEL – Eu vou repetir para você, você está me ouvindo. Você queria me ouvir. Continue querendo.

    HERDY – Por que o senhor não responde às nossas perguntas?

    PIMENTEL – Eu vou dizer de novo, pela terceira vez, quem sabe você entenda.

    HERDY – Mas agora eu fiz uma outra pergunta..

    PIMENTEL – Você queria, continue querendo. Bom natal para você.

    HERDY – O senhor não acha que o senhor tem que prestar informações à sociedade? O senhor não acha que como ministro de Estado o senhor deve responder pelo menos às perguntas?

    PIMENTEL – Eu já te respondi, querido.

    HERDY – Eu fiz outra pergunta.

    PIMENTEL – A primeira responde todas. Continue querendo…

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