A maldição do petróleo revisitada

Texto de José de Souza Castro:

Paulo Silva, em comentário ao meu artigo anterior num blog, recomendou a leitura de uma entrevista de Wladmir Coelho, pesquisador da Fundação Brasileira de Direito Econômico (FBDE), para aprofundar o debate sobre o Pré-Sal. A entrevista pode ser lida AQUI. “O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial”, afirma o entrevistado.

Nem sempre foi assim, é óbvio. O professor Washington Albino, um dos 17 fundadores da FBDE, em 1972, e que faleceu em junho passado, foi um dos batalhadores para que o petróleo do Brasil fosse dos brasileiros, ao participar no início da década de 1950 da campanha “O Petróleo é nosso”. Uma campanha vitoriosa, que deu origem à Petrobras e ao monopólio estatal, quebrado na década de 1990, no governo Fernando Henrique Cardoso, e aprofundado na década seguinte, no governo Lula, com a legislação do Pré-Sal.

O que não mudou, infelizmente, foi o comportamento da imprensa brasileira em relação à exploração petrolífera. Nos anos 50, o mais ouvido programa noticioso no rádio e na televisão era o Repórter Esso. Ele ignorou aquela campanha e, sempre que pôde, caluniou os defensores da Petrobras, como afirma Wladmir Coelho, que se apresenta também como historiador, mestre em Direito e colunista do Diário Liberdade.

“O modelo Repórter Esso continua”, lamenta Wladmir Coelho, referindo-se à relutância de nossa imprensa em entrar no caso do derramamento de petróleo na área do Pré-Sal sob exploração da Chevron e de se aprofundar no assunto. A imprensa fez ainda pior, como reconhece o entrevistado: “O acidente aconteceu em um campo cuja operação de perfuração encontra-se sob responsabilidade da Chevron e os jornais ainda encontram meios de responsabilizar a Petrobras. Isso não é sério.”

Nada indica, também, um rompimento de nossa tradição colonial, e deveremos continuar sendo um país explorado. Raciocina Wladmir:

“A exploração predatória do Pré-Sal assume hoje um papel pouco debatido diante da crise financeira mundial. Trata-se da destinação dos eventuais recursos decorrentes da exploração, pagos ao Estado, à formação de um fundo para compra de títulos (públicos e privados), contribuindo deste modo para a retirada de circulação dos famosos ativos tóxicos encalhados nos cofres dos banqueiros.”

Estamos à mercê da chamada maldição do petróleo, como apontamos num artigo comemorativo da 300ª edição do Boletim de História. Maldição também lembrada por Wladmir Coelho neste artigo.

De fato, o governo se rendeu à indústria petrolífera mundial e, entre elas, à mais funesta: Chevron, uma empresa com valor de mercado de 187 bilhões de dólares, apesar do desastre que provocou no Equador (no Golfo do México, a BP contratou a mesma Trnasocean, empresa de perfuração que também atuou no Campo de Frade). Aqui, ela foi multada em pouco mais de 200 milhões de reais pelo governo federal. No Equador, “esta empresa envenenou a água da população amazônica derramando, conscientemente, refugo em rios”, diz Wladmir, naquela entrevista. “Ao ser denunciada, adulterou dados, subornou juízes e, sendo condenada, falsificou uma limpeza. Até hoje a multa de US$ 18 bilhões não foi paga.”

No Brasil, há também juízes subornáveis, e nada indica que a multinacional americana vai pagar as multas que lhe foram aplicadas pelo desastre na área do Pré-Sal, muito embora elas sejam irrisórias, tendo em vista o prejuízo causado e o valor de mercado da empresa. A Chevron fará qualquer coisa para não pagar, pois ela é orientada unicamente pelo lucro. E o governo Dilma pouco fará para receber, pois ele também se orienta, como os dois que o precederam, na máxima do fundamentalismo liberal de mínima regulação e na crença da autofiscalização e da gestão responsável das empresas.

E temos que nos dar por satisfeitos, se ficarmos apenas no prejuízo econômico e ambiental. Na África, nos anos 1990, como recorda Wladmir Coelho, a Chevron teria promovido um massacre de camponeses nigerianos que protestavam contra a morte do gado envenenado por derramamento de petróleo. “A Chevron contratou a polícia para matar os camponeses”, informa o historiador e mestre em Direito.

Por coincidência, terminei ontem a leitura de “O Dia da Caça”, escrito em 2008 por James Petterson. O escritor, um patriota americano que já vendeu 230 milhões de livros em mais de 100 países, segundo sua editora no Brasil (a Arqueiro), descreve o massacre de nigerianos e sudaneses, sob o olhar complacente da CIA e de multinacionais americanas, inglesas, holandesas, entre outros países colonizadores, mas não cita a Chevron. Os vilões da história são dois agentes vendidos da CIA e empresas petrolíferas da… China!


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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

3 comments

  1. A multa pode aumentar, se depender de procuradores da República, conforme essa notícia divulgada às 17h30 de hoje pela Folha.com:

    “O MPF (Ministério Público Federal) em Campos (RJ) entrou com ação civil pública contra as empresas Chevron e Transocean, na qual pede que seja paga indenização de R$ 20 bilhões pelos danos causados pelo vazamento no campo de Frade, na bacia de Campos.”

    Acrescenta que foi pedida ainda “a suspensão de todas as atividades das duas empresas no Brasil, sob pena de multa diária de R$ 500 milhões, caso a Justiça decida impedir as ações das Chevron e da Transocean.”

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  2. Não entendi a entrevista do Wladmir Coelho

    A posição do governo em relação ao pre-sal foi totalmente nacionalista. Ou mudaram a lei que tinha sido aprovada, onde a petrobras seria a única operadora e seria criado um fundo social ?

    Pelo que entendi da lei do pre-sal, a petrobras irá gerenciar os consórcios formados, além de favorecer a cadeia de fornecedores nacionais, estimulando a indústria e os empregos.

    Se o interesse fosse uma exploração imediata e sem regulamentação, não se condicionaria a expansão da exploração à capacidade da industrial nacional, e muito menos atribuiria a petrobras o direito único de operação, o que é pior do que qualquer regulação, tanto que gerou um lobby agressivo do mercado, críticas da imprensa e acusações de inconstitucionalidade.

    a colocação sobre o fundo e a compra de títulos tóxicos é muito forçada, existe uma analise de risco e rentabilidade a ser feita pela equipe economica do governo junto com o BC. Acusar o governo de roubar esse dinheiro tudo bem, brasileiro tem fama de ladrão e malandro, agora fama de burro e débil mental é sacanagem

    A política atual do governo contraria totalmente o Wladmir Coelho. Uns dos atritos do governo com a vale foi justamente por que a empresa priorizou a extração e exportação imediata em detrimento da indústria naval

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