7 poemas de Drummond que eu gostaria que meu filho conhecesse

Foto de Carlos Drummond de Andrade, sorridente, em preto e branco.

O título deste post contém uma imprecisão.

Não queria que meu filho conhecesse apenas sete poemas do meu poeta favorito, o Carlos Drummond de Andrade, Dru-dru para mim desde a adolescência – em minha opinião, o maior poeta brasileiro.

Queria que ele conhecesse todos, que devorasse seus livros, todos à mão nas estantes de nossa casa, que também conhecesse as histórias interessantíssimas que compunham a personalidade sisuda, bem-humorada, reservada e amigável do poeta, como dizem os que com ele conviveram.

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Li com muito prazer o especial que o jornal “O Tempo” produziu sobre Dru-dru, na esteira de seu aniversário de morte. Recomendo a leitura a todos.

O trecho que mais curti foi a entrevista com Humberto Werneck, autor do delicioso livro “O Desatino da Rapaziada” (leitura obrigatória em todas as faculdades de jornalismo, ao menos quando eu frequentava uma delas), que agora escreve uma biografia sobre o itabirano.

Vejam o que ele disse, por exemplo, sobre a personalidade do poeta:

“Drummond era um homem reservado, e, ao se tornar amplamente conhecido, era natural que se fechasse ainda mais, como forma de preservar seu tempo e sua intimidade. Não era, porém, um bicho do mato. Entre amigos, boa parte de suas reservas caía. Era falante e divertido. Tinha um lado brincalhão – já depois dos 80 anos, era capaz de dar cambalhotas para divertir crianças. Tinha um lado moleque: quem imaginaria Carlos Drummond de Andrade passando trotes ao telefone, como fez durante anos, disputando com outro moleque, Fernando Sabino, para ver quem pregava mais peças no outro?”

Ou seja, como eu ia dizendo antes de me dispersar, eu não gostaria que meu filho conhecesse apenas sete poemas do Drummond. Mas, se fosse para escolher apenas sete, e que tratem de alguma forma do tema “família” ou “infância”, eu escolheria os seguintes. Só pra começar:

1. INFÂNCIA

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
– Psiu… Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro… que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que a minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

2. BRINCAR NA RUA

Tarde?
O dia dura menos que um dia.
O corpo ainda não parou de brincar
e já estão chamando da janela:
É tarde.

Ouço sempre este som: é tarde, tarde.
A noite chega de manhã?
Só existe a noite e seu sereno?

O mundo não é mais, depois das cinco?
É tarde.
A sombra me proíbe.
Amanhã, mesma coisa.
Sempre tarde antes de ser tarde.

3. VERBO SER

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.

4. FAMÍLIA

Três meninos e duas meninas,
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda a noite
e a mulher que trata de tudo.

O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.

5. SESTA

A família mineira esta quentando sol,
Sentada no chão, calada e feliz.
O filho mais moço, olha para o céu
Para o sol não!
Para o cacho de bananas, corta ele pai!
O pai corta o cacho e distribui para todos,
A família mineira esta comendo bananas.
A filha mais velha coça uma pereba bem acima do joelho,
A saia não esconde a coxa morena, sólida construída.
Mais ninguém repara.
Os olhos se perdem na linha ondulada do horizonte próximo,
(a cerca da horta). A família mineira olha para dentro.
O filho mais velho canta uma cantiga,
Nem triste nem alegre, uma cantiga apenas, mole que adormece.
Só um mosquito rápido mostra inquietação,
O filho mais moço ergue o braço rude enxota o importuno.
A família mineira esta dormindo no sol.

6. LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO

Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era
[tranqüilo em redor de Clara.

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava
[no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!

7. O CASO DO VESTIDO

Este é um dos meus poemas favoritos, mas é muito-muito grande, então tem um post inteirinho só para ele aqui no blog.

 

Poeminha “Não se mate”, do Carlos Drummond de Andrade

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

6 comentários

  1. Cris, quase tão bons como os poemas eram as crônicas que ele escrevia no “Correio da Manhã”, no “Jornal do Brasil” e na “Folha de S. Paulo”, e que foram publicados, algumas delas, em livros. Uma rápida pesquisa mostrou alguns desses livros que podem ser comprados no Submarino e em outros sites: O Gerente, Boca de Luar, Os Dias Lindos, A Bolsa & a Vida, Caminhos de João Brandão, De Notícias & Não Notícias Faz-se a Crônica e Contos Plausíveis.

    Não tenho nenhum deles. Lia nos jornais. Faziam muito sentido na época em que foram escritos. Desconfio que continuem fazendo muito sentido.

    Só para lembrar, “Alguma Poesia” foi o primeiro livro do autor, publicado por ele mesmo, com 500 exemplares. Não foi fácil vender o livro. No segundo, ele baixou a tiragem para 300 exemplares. E no terceiro, ainda edição própria do autor, para 200. Parece que Drummond só começou a ganhar dinheiro com as crônicas que escrevia nos jornais. Como se revela nesta entrevista (http://arte.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/drummond/o-poeta-do-jornal/ ):

    “Em 1984, respondendo a uma pergunta do jornalista Edmilson Caminha sobre o que o realizava como escritor, Drummond afirmou que fazia crônica profissionalmente, para ganhar dinheiro.
    “O jornal me paga, então eu debulho aquilo como uma coisa até meio mecânica. Uma vez ou outra é que me sinto assim com mais prazer, fora isso, faço aquilo por obrigação. Não é uma obrigação tediosa porque procuro fazer corretamente, para não chatear demais o leitor, mas sinto que às vezes chateia, porque aparecem as reações. (…) Meu tesão, mesmo, é a poesia”, confessou.”

    Pelo que sei, um neto de Drummond, seu herdeiro, tenta ganhar dinheiro com as obras do avô. Não me espantaria se você recebesse uma fatura dele, por essas poesias que você publicou aqui com a melhor das intenções.

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