Rondon Pacheco, um homem de muitas homenagens

Aécio Neves deu medalha em homenagem a Rondon Pacheco em 2009. Foto: ALEXANDRE GUZANSHE/O TEMPO
Aécio Neves deu medalha em homenagem a Rondon Pacheco em 2009. Foto: ALEXANDRE GUZANSHE/O TEMPO

Texto escrito por José de Souza Castro:

A principal avenida de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, chamava-se Av. São Pedro. No dia 15 de março de 1971, o uberlandense Rondon Pacheco tomou posse no governo de Minas, nomeado pelo general Ernesto Geisel, que um ano antes fora empossado presidente da República – o quarto da ditadura militar pós 1964. Logo depois da posse, a Câmara Municipal cassou a homenagem ao apóstolo que traiu Jesus por três vezes e deu à avenida o nome de Rondon Pacheco.

Essas homenagens com nomes de vias públicas a políticos vivos foram proibidas muitos anos depois no Brasil. Antes disso, Araguari, vizinha de Uberlândia, deu ao Parque de Exposições o nome de Rondon Pacheco. Não sei se após sua morte o governador mais longevo da história de Minas continuará sendo homenageado pelos mineiros.

Mas pelo menos os de Uberlândia não podem esquecê-lo, pois ele foi o grande impulsionador da industrialização de sua terra natal. E ajudou, o quanto pôde, os conterrâneos empreendedores, como Alair Martins do Nascimento, fundador do Grupo Martins, que ao ter sua biografia escrita há seis anos pela Fundação Dom Cabral fez questão de que um dos entrevistados fosse Rondon Pacheco.

Talvez ele tenha entrado para a história do Brasil por outro motivo: era chefe do Gabinete Civil do presidente Costa e Silva e um dos signatários do AI-5. Rondon teria assinado com relutância o Ato Institucional que implantou definitivamente a ditadura, tendo declarado ao votar que não tinha outro rumo a tomar, outro caminho a escolher. Tentou ainda que a vigência do AI-5 só começasse um ano depois, mas foi voto vencido. De qualquer modo, ele teria evitado, como previsto na redação inicial, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

Eu o conheci em 1972, quando iniciei a carreira de jornalista*. Na época, eu o percebia com um defensor convicto da ditadura. Extremamente subserviente ao governo militar.

Quando um ministro – quase todos eles generais ou coronéis – vinha a Belo Horizonte num avião da FAB, Rondon Pacheco ia recebê-los na Base Aérea da Pampulha, seguido de quatro batedores da PM em motocicletas com sirenes ligadas e de dois automóveis da segurança, um comportamento que lhe valeu o apelido de “Pavão Misterioso”, inspirado na música tema da novela Saramandaia, um sucesso na época da TV Globo. Na imprensa, o apelido só aparecia na coluna de Ildeu Chaves, do Jornal de Minas, escudado no prestígio do dono, Afonso Araújo Paulino, o Minhoca, grande amigo dos militares.

Um episódio que me ficou na lembrança: o “Times”, de Londres, enviou ao Brasil um repórter de grande prestígio para mostrar aos leitores o chamado “milagre brasileiro”. Minas era um dos Estados que mais recebia indústrias estrangeiras. O repórter veio visitá-lo e marcou entrevista com o governador. Na hora marcada, uma longa espera. Finalmente, Rondon apareceu. A entrevista mal havia começado, e ouviu-se do lado de fora do Palácio da Liberdade o som das sirenes dos batedores. A banda da PM começou a tocar o Hino Nacional. Num ímpeto, o governador levantou-se e saiu apressado, sem dar explicações ou se despedir do boquiaberto jornalista do “Times”. Mais atônito ele ficou, ao saber o motivo: Rondon queria receber na entrada do palácio o ministro da Educação, coronel Jarbas Passarinho.

Em dezembro de 1973, ao despedir-se do governo com um ano de antecedência – porque o governo federal queria que todos os governadores ficassem no cargo só quatro anos, e não os cinco previstos na Constituição mineira –, Rondon Pacheco visitou o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, onde o presidente Lúcio Assumpção relatou que as aprovações de projetos financiados pelo BDMG superaram, no ano, Cr$ 1 bilhão (cerca de 154 milhões de dólares), contra Cr$ 230 milhões em 1971.

O “Jornal do Brasil” escreveu uma reportagem sobre o “testamento dos governadores” nomeados pela ditadura, e Rondon Pacheco se sentiu injustiçado. Em represália, mandou que o presidente do BDMG demitisse o gerente de comunicação social do banco, Jadir Barroso, que também cobria política na sucursal mineira do JB. Era reportagem escrita a partir das informações recebidas de todas as sucursais e correspondentes. Antes de assinar a demissão, Lúcio Assumpção, o presidente do banco, telefonou ao diretor da sucursal mineira, Acílio Lara Resende, para confirmar se fora mesmo Jadir quem trabalhara na tal reportagem. “Diga ao Rondon que fui eu quem fez a notícia”, respondeu Acílio. O recado foi transmitido a Rondon, que preferiu esquecer o caso.

Na época, o governo de Minas era grande anunciante. Qualquer fábrica inaugurada, ponte ou escola podia ser motivo para um anúncio. A vinda da Fiat pelo empenho pessoal de Rodon Pacheco foi grande estrela na publicidade oficial. Mas a fábrica de Betim só começou a produzir em novembro de 1976, um ano e meio depois da saída do governador. Rondon foi à inauguração e devidamente homenageado pelos sócios italianos.

Ele recebia as homenagens com grande agrado, certo de que as merecia. Deve ficar feliz com as que lhe serão feitas por agora.


* Nota da Cris: Leia mais lembranças do meu pai, o jornalista José de Souza Castro, em seu livro “Sucursal das Incertezas“, que pode ser baixado gratuitamente pela Biblioteca do Blog. Eu recomendo! 😉

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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

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