Não deixe de assistir: A JUVENTUDE (Youth)
Nota 9
Ainda no início do filme, o apático Fred Ballinger, personagem de Michael Caine, fala para seu amigo também octogenário, Mick Boyle, interpretado por Harvey Keitel (Tradução livre; leia o diálogo original AQUI):
“Fico tentando entender o que acontece com a memória ao longo do tempo. Não consigo me lembrar da minha família. Não me lembro de seus rostos ou de como falavam.
Na noite passada, eu estava assistindo Lena enquanto ela dormia. E fiquei pensando em todas as milhares de pequenas coisas que eu fiz para ela como seu pai. E fiz essas coisas deliberadamente, para que Lena pudesse se lembrar delas quando crescesse. Mas, com o tempo, ela não se lembrará de nada!
Tremendo esforço, Mick. Tremendo esforço com um resultado modesto.”
Essa fala do protagonista do filme, dentre várias outras excelentes conversas, me marcou até vários dias depois. E provavelmente é o que vai ficar em minha memória desse filme difícil e belo. Talvez por eu estar apenas iniciando minha jornada de mãe e já perceber o tanto de esforço que dedico ao meu pequeno Luiz. E por ter certeza de que todas as brincadeiras, risadas e choros que compartilhamos nesses primeiros quatro meses e meio de vida dele serão completamente esquecidos por meu filho — porque é isso mesmo que acontece com nossas primeiras memórias e, aos poucos, com a maioria das outras.
Tenho hoje 31 anos e às vezes me pego tentando lembrar da época do colégio, ou mesmo dos tempos em meu primeiro emprego. E constato, assombrada, que já me esqueci de blocos inteiros de vida, aí incluindo nomes e fisionomias de pessoas que podem ter sido, a certa altura, muito importantes para mim. Qual era mesmo o nome daquele chefe que tive no Banco do Brasil por uns dois anos? E daquela estagiária que até convidei para meu baile de formatura, de tão amiga que ficamos? Todos foram parar no buraco negro da minha memória, mesmo tendo me ocorrido há tão pouco tempo.
Agora, com este filme, descubro que é bem possível que o mesmo aconteça também com pessoas ainda mais importantes. Já começou: tento lembrar das minhas avós, que morreram quando eu tinha 11 e 15 anos, e quase tudo me escapa.
Mick Boyle: “Você vê aquela montanha ali?”
Roteirista mirando um binóculo: “Sim. Parece bem próxima.”
Mick Boyle: “Exato. Isso é o que você vê quando é jovem. Tudo parece muito próximo. Esse é o futuro. E agora [invertendo o lado do binóculo] Isso é o que você vê quando você está velho. Tudo parece muito distante. Isso é o passado.”
Num filme sobre dois personagens de 80 anos — um maestro genial que se recusa a voltar ao mundo da música, mesmo a pedido da rainha da Inglaterra, e um cineasta que tenta terminar seu último filme, o mais importante de sua vida –, esse tema ronda o tempo inteiro. É um filme sobre a efemeridade da memória. Mas também sobre como escolhemos, de certa forma, sobre o que lembrar. E como isso pode interferir completamente na forma como nos relacionamos com as outras pessoas — por exemplo, nosso marido, ou nosso pai, ou nosso melhor amigo.
Apesar de ter alguns momentos de graça — o longa foi classificado como comédia dramática –, acho que “Juventude” trata de emoções muito mais melancólicas e é aquele tipo de filme que nos deixa pensativos sobre coisas especialmente profundas. Solidão, casamento, amizade, doença, amor, lealdade, morte.
“Você diz que emoções são superestimadas. Mas isso é besteira. As emoções são tudo o que temos.”
Pra completar essa avalanche de emoções, trata-se de um filme bonito: com cenas lindas, paisagens lindas (nos Alpes suíços), música linda, atuações lindas. Por isso é meio incompreensível que só tenha sido indicado ao Oscar em uma categoria, de melhor música original, por “Simple Song #3”, de David Lang, que no filme foi composta pelo maestro Fred Ballinger. Seja como for, é mesmo uma bela canção.
“Eles nunca devem saber que você e eu, apesar de tudo, gostávamos de pensar em nós mesmos como uma “canção simples” [Simple Song].”
Assista ao trailer legendado:
CLIQUE AQUI para ver onde o filme está passando em BH.
VEJA AQUI onde o filme está passando no resto do Brasil.
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Belíssimo texto, Cris! Compartilhei no Facebook Beijos Eu
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Obrigada 🙂 Depois me diz o que achou do filme! Ainda tá em cartaz no Belas Artes.
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Poxa, parece ser muito lindo este filme. Fiquei com vontade de assistir. Cuido da minha mãe que teve um avc e, fora isso, essas questões da memória sempre me chamam a atenção. Como perdemos lembranças e como a nossa mente literalmente cria algumas que talvez nunca existiram.
Bjs!
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Também sou muito curiosa com essas questões da memória. Acho que vc vai gostar de um livro que li em 2011, My Stroke of Insight. Falo dele neste post: https://kikacastro.com.br/2011/12/30/melhores-livros-de-2011. Já deve ter chegado ao Brasil. Depois me conta o que achou do filme 😉 bjos
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