Um filme para quem ama a reportagem

Para ver no cinema: SPOTLIGHT
Nota 9

spotlight

Não é só uma questão de amar o jornalismo. Jornalismo, hoje em dia, é uma gororoba bastante ampla, que envolve interação nas redes sociais e uma grande quantidade de imagens ocupando espaços antes reservados às palavras. O trabalho do jornalista contemporâneo é cada vez mais o de edição e menos de apuração. Os grandes jornais estão saindo com poucos diferenciais: são apenas versões editadas das histórias da véspera, já repercutidas ad nauseam pela internet. Uma vez ou outra, trazem uma baita história legal, um personagem incrível, fruto do empenho de algum repórter isolado. Mais raramente ainda, trazem uma reportagem que levou dias ou semanas de investigação — um investimento (caro) que os veículos não têm se dado ao luxo de pagar, para azar dos leitores.

Em “Spotlight“, um núcleo de quatro repórteres especiais do “Boston Globe” passa CINCO MESES investigando uma história sensacional, envolvendo dezenas de padres pedófilos, que agiam em Boston, mas também em cidades de todo o mundo (inclusive quatro brasileiras: Rio de Janeiro, Arapiraca, no Alagoas, a paulista Franca e a mineiríssima Mariana). O trabalho de apuração desses jornalistas é interpretado por excelentes atores, dirigidos de forma competente pelo ator Tom McCarthy, e esmiuçado num roteiro feito para quem ama a reportagem. Será um desses filmes exibidos em faculdades de jornalismo por várias décadas, como o clássico “Todos os Homens do Presidente“, de 1976, sobre a apuração do Watergate.

Este foi o primeiro filme do Oscar 2016 a que assisti e concorre em seis categorias:  melhor ator coadjuvante (Mark Ruffalo), melhor atriz coadjuvante (Rachel McAdams), melhor edição, melhor direção, melhor roteiro original e melhor filme. Ainda sem ver os outros longas que concorrem com ele, arrisco dizer que este deve levar no máximo o prêmio de melhor roteiro, que é seu diferencial. É o roteiro sobre a construção de um roteiro: aquele que sairia nas páginas do jornal naquele ano de 2002, ganharia o maior prêmio de reportagem do mundo — o Pulitzer — e ainda renderia outras 600 suítes (continuações da primeira reportagem). E com toda a dificuldade que investigar a instituição Igreja Católica representa.

É, sobretudo, a história de um jornalismo que está em extinção: aquele que preza pela investigação árdua de uma história que, quando publicada, não será esquecida no dia seguinte, no turbilhão de informações em que estamos mergulhados. Pelo contrário, será comentada em todo o planeta e ainda mexerá com alicerces tão poderosos quanto os de uma instituição milenar. Quantos veículos de comunicação ainda possuem uma equipe paga para investigar, levando-se o tempo que for, grandes histórias como esta? É, sem dúvida, um investimento caro, mas o resultado obtido pelo “Boston Globe”  mostra que suas consequências, em termos de prestígio para o jornal, são recompensadoras. Talvez, se tivéssemos mais investimentos desse tipo, não estaríamos vendo tantos jornais fechando as portas, perdidos em sua insignificância de conterem apenas o noticiário oficialesco e um amontoado de colunas de opinião, que não fazem mais frente à plataforma mais própria para opinar: as redes sociais e blogs. E tenho certeza que não faltariam jornalistas apaixonados pela reportagem que adorariam integrar equipes como a “Spotlight”: é este, afinal, o sonho de 9 em 10 estudantes de jornalismo, que depois se frustram e se acomodam atolados no rame-rame da profissão.

Assista ao trailer do filme:

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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