‘Orestes’: um filme difícil, mas necessário

orestes

Texto enviado pelo leitor Douglas Garcia:

“É difícil imaginar destino mais desvalido e sem esperança do que o da filosofia nos dias de hoje: ela não é espetacular, não é fácil, não é sorridente, não é “agitada” e nem é edificante. Ao contrário: ela é lenta, difícil, séria e sem consolo.

Depois de assistir “Orestes” (em cartaz no Cine Belas Artes), de Rodrigo Siqueira, consigo imaginar um destino mais desvalido do que o da filosofia: o das vítimas brasileiras (e seus parentes e amigos) da intervenção violenta (torturas, execuções extrajudiciais) de agentes do Estado durante o período militar. Vidas se irmanam na morte – haverá tal coisa? – às vidas das vítimas da intervenção violenta de agentes do Estado durante o período democrático. Vidas condenadas a um destino sem pena pública por parte da sociedade civil e sem reconhecimento por parte de um Estado que não soube garantir a sua proteção legal e as suas vidas.

“Orestes” é difícil por uma série de razões: é um documentário que lida com temporalidades e testemunhos de ordens diferentes. A temporalidade da tragédia grega, aludida na referência ao mito de Orestes, que sugere um fundo original e inextirpável de violência sob as camadas da civilização. A temporalidade do período militar, que sobrevive como passado nas formas humanas da memória: fotografias, textos jornalísticos, e, sobretudo, no testemunho e no sentimento daqueles que foram próximos das vítimas. A temporalidade do presente, marcada nos relatos dos parentes daqueles que morreram em operações policiais de legalidade nem sempre transparente. Por fim, a temporalidade da encenação, que abre uma possibilidade diferente de futuro, no filme, por meio de um psicodrama do qual participam parentes de vítimas da violência, bem como na construção de um tribunal do júri fictício, ambos criações do diretor do filme, Rodrigo Siqueira.

“Orestes” é também difícil por uma razão mais básica: ele é emocionalmente difícil. Ele nos confronta com a violência que nos rodeia, vinda do passado, do presente, e que ameaça continuar a vir do futuro. Não conheço nenhum filme brasileiro que alcance tamanho grau de seriedade no tratamento do passado recente da sociedade brasileira e sua relação íntima com as conflagrações que ameaçam dissolver nosso presente em uma repetição mítica de violência e barbárie.

“Orestes” se faz necessário em razão do trabalho paciente de seu realizador, que não se nega a olhar para aquilo que permanece como ferida do passado do presente, nem para aquilo que parte da sociedade brasileira, no presente, coloca na conta das justificações conservadores da violência, a partir da premissa da “luta” dos “inocentes” contra os “bandidos” (para usar palavras ditas no filme).

“Orestes” se faz necessário como um gesto de olhar-se no espelho. Quem somos nós? O que temos feito? Que tipo de relação social com os outros desejamos? O filme não dá respostas, ele arranja os elementos para que, quem sabe – mas até isso é incerto – possamos escolher entre desejar um Estado que é o império universal da lei e do reconhecimento de todos por todos, com direitos iguais, ou desejar um Estado que é apenas a projeção da vontade de extermínio de alguns.”

Saiba mais sobre o filme AQUI. Veja onde ele está em cartaz, em BH.


 

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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