Quem são nossos moradores de rua? – parte 3

Morador de rua em Belo Horizonte. Foto: Leo Fontes
Morador de rua em Belo Horizonte. Foto: Leo Fontes/O Tempo

Em maio do ano passado, quando a Prefeitura de Belo Horizonte divulgou o terceiro censo dos moradores de rua que vivem na cidade, eu me debrucei sobre os números e os trouxe para o blog, na tentativa de fazer um retrato, ainda que tímido, dessas pessoas. Depois obtive mais números e complementei num segundo post.

Faltava uma coisa para o raio X ser completo: conversar com essas pessoas que moram nas ruas — que já são mais de 1.800! — e com os responsáveis pelas políticas públicas voltadas para elas.

Agora não falta mais: no último domingo, foi publicada no jornal “O Tempo” uma série de reportagens muito completa e sensível, apurada e escrita pela repórter Juliana Baeta.

Clique AQUI para ler todo o especial.

Ao fim da leitura, constatamos o que já intuíamos: que ninguém quer morar nas ruas e que a solidariedade dos voluntários e das pessoas que se sensibilizam com a situação dos moradores de rua é fundamental para que eles sobrevivam. (Ao contrário do que sugeriu o prefeito Marcio Lacerda, em mais uma de suas declarações infelizes, ao pedir aos moradores (com teto) da cidade que não ajudassem os moradores de rua com “objetos, comida ou dinheiro, para que eles dependam da assistência social da prefeitura e possam ser convencidos a deixar a rua”. Como se se tratasse apenas de uma questão de convencimento…)

No final do meu primeiro post sobre o censo, escrevi: “Eles se concentram na região mais rica da cidade, a Centro-Sul, não por acaso: contam com a solidariedade dos mais afortunados, com suas doações e esmolas, com ajuda dos comerciantes e donos de bares e restaurantes. Que tal retribuirmos esse voto de confiança?”

Agora que o outono já começou, e a vida dos moradores de rua ficará duplamente mais difícil, com o frio (que, em cidades mais geladas, como São Paulo, leva vários à morte), essa solidariedade é ainda mais importante.

Se tememos contribuir com dinheiro, pelo fato de um percentual não desprezível dessa população recorrer às drogas, podemos ajudar com comida, agasalhos, roupas, sapatos e outro bem valiosíssimo e muito raro para eles: água. Já repararam que não existem muitos bebedores públicos em Belo Horizonte (e em quase nenhuma cidade)? Lembro que a primeira vez que isso me chamou a atenção foi graças a uma reportagem da “Folha de S.Paulo”, de 2009. Ou seja, até 2009, nunca tinha me ocorrido como era difícil que um morador de rua conseguisse um bem tão básico como água potável. E que existissem pessoas que negassem um copo de água para eles. Copo de água não se nega, gente!

A reportagem da Juliana ainda vai além, ao mostrar que, se fôssemos seguir a cartilha do prefeito Marcio Lacerda, os moradores de rua estariam lascados, porque o número de vagas em albergues só dá conta de receber metade deles. Pra piorar, os moradores de rua sofrem com uma prática absurda, cometida por agentes públicos: têm seus poucos bens (como cobertores e até remédios) confiscados, numa tentativa de “higienizar” as ruas. Tipo assim: sem a caixa de papelão e o cobertor, ele terá de sair daqui! Mesmo após decisão judicial proibindo a prática, em julho de 2013, vi o problema se repetir um ano depois. Então, não duvido que continue acontecendo até hoje.

Vale lembrar que, se os moradores de rua recebem o devido apoio, podem voltar a ser “humanos” como qualquer um de nós, com todos os potenciais que temos. Lembram do caso da fada madrinha que tirou o poeta Raimundo das ruas? Levou 18 anos, mas aconteceu.

Helena Pereira, ex-moradora de rua de BH, hoje trabalha para ser fada madrinha dos atuais homens e mulheres nesta situação degradante. O vídeo contando sua história é a cereja do bolo da reportagem de Juliana, com imagens de Leo Fontes:

“Eles às vezes nem água têm. E a gente tem isso tudo: teto, cobertor…”

Pois é, dona Helena 😦

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

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