Boyhood: um filme sobre baleias

Para assistir: BOYHOOD: Da infância à Juventude
Nota 10

Boyhood-Post-12-Years-of-Mason

Ao falar desse filme, todo mundo destaca, obviamente, o projeto audacioso do diretor e roteirista Richard Linklater de filmar a história de um garoto, Mason, e de toda a sua família e amigos, ao longo de 12 anos, usando os mesmos atores. Já é sensacional ver Ellar Coltrane envelhecendo, juntamente com os ótimos Patricia Arquette e Ethan Hawke, que fazem seus pais, e Lorelei Linklater, que faz sua irmã (e que é a filha do diretor). Nada de maquiagem modificando as pessoas ou de três atores parecidos fazendo o papel de um só personagem.

Para os poucos que ainda não leram nada sobre esse projeto, dedico este longo parágrafo a informações de bastidores, que coletei no site IMDB: a ideia do diretor Richard Linklater (que já tinha feito vários filmes independentes e sucessos como “Escola de Rock“) era fazer um filme que durasse 12 anos e contasse a história de um menino, dos 6 à entrada na faculdade. Ficou por muito tempo sendo chamado só de “Projeto 12 anos sem título”, passando depois a ser chamado de “12 anos”. Só muito recentemente ele ganhou o nome de “Boyhood”, pra não ser confundido com “12 Anos de Escravidão”, vencedor do Oscar no ano passado. Ou seja: o tempo de gravação era o essencial para a história desde sua concepção. O filme foi gravado entre 2002 e 2013 e o elenco se reunia anualmente e fazia cenas de 10 a 15 minutos, mostrando o que seria cada um dos 12 anos do garoto Mason, que depois foram editadas de forma coesa, formando um longa (bem longo) de 2h45, com 143 cenas. E foi um projeto MUITO arriscado, porque, nos Estados Unidos, contratos não podem ter mais de sete anos de duração, então ninguém do elenco podia se comprometer, juridicamente, a ficar no filme até o fim dos 12 anos. Felizmente, pelo visto, ninguém deu o bolo em Linklater.

Bom, mas o projeto poderia ter sido um fiasco. A ideia de filmar o mesmo elenco por 12 anos poderia ter resultado em um filme sem pé nem cabeça, sem coesão, sem história etc. Então, por mais que isso seja um fator essencial para tornar esse filme um clássico bastante original e ainda inimitável, não é a única coisa que o transforma em um dos melhores do ano e favorito ao Oscar.

Fiquei me perguntando o que seria, então. Os atores já citados precisaram ser “monstros” para segurar um papel que só era interpretado anualmente, ao longo de 45 dias, diluídos em 12 anos. A trilha sonora cheia de sucessos dos anos 2000 e de antes (Foo Fighters, Weezer, Coldplay, Lady Gaga, Paul McCartney, George Harrison, entre vários outros) ajuda muito a dar um clima de nostalgia, que é importante quando contamos uma história familiar e num período de tempo tão longo. O personagem principal é curioso: excessivamente taciturno, compenetrado, sério, calado e, quando cresce, vai se tornando cada vez mais pensativo, questionador, filosófico até.

Mas o principal é o roteiro. Um filme que apenas conta a história de um menino da infância à fase adulta, sem grandes acontecimentos no meio do caminho, precisa ser muito bem contado, para não ficar desmoronando em clichês. Em vários momentos do filme, me peguei esperando que uma tragédia acontecesse, uma guinada, algo que sacudisse a história. E não acontecia. Aos poucos me dei conta de que não iriam acontecer, porque a vida retratada ali é para gerar identificação, não surpresa.

Em um certo ponto da história, quando Mason já deixava de ser criança, mas ainda acreditava nas mágicas de seu personagem favorito, o Harry Potter, ele pergunta ao pai: “Os elfos não existem de verdade, né?” E o pai responde que não, mas que uma baleia real é tão mágica quanto um elfo imaginado. E descreve uma baleia, demonstrando o quanto ela é um ser extraordinário. Para mim, esse paralelo é o de “Boyhood”: é um filme sobre as baleias — a vida real, tão extraordinária por si só –, não sobre os elfos, que só existem na imaginação.

A vida real comporta casos de violência, amor e dor ainda mais intensos do que na ficção. E aí está o ingrediente secreto de Boyhood: nos faz assistir ao filme e enxergar nossa própria vida, e pensar nas experiências que vivemos em nossa infância e adolescência com uma nostalgia só nossa. Com nossos primeiros amores, primeiras fossas, primeiros melhores amigos que se afastam, com o bullying sofrido ou praticado na escola, com as descobertas profissionais, as brigas em família etc. Mesmo que não tenhamos vivenciado uma experiência idêntica à de Mason, criamos um laço com ele, uma identificação, porque são histórias plausíveis de uma família em eterna construção. E com um bônus: ao ver Mason e seus parentes crescendo tão de repente, num pulo de minutos entre um ano e outro, percebemos como o tempo é inexorável e talvez nos demos conta de que, mesmo depois de nossa boyhood, a vida ainda seguirá rápida demais, aos trancos e barrancos — e é melhor aproveitá-la.

Veja o trailer:


P.S. Escrevo este post na terça-feira, antes, portanto, de o Oscar divulgar seus indicados (o que deve acontecer no dia 15, quando o post vai ao ar). E sou capaz de apostar em muitas estatuetas para Boyhood, incluindo todos os melhores prêmios: melhor filme, direção, roteiro, atores principal e coadjuvante, atriz coadjuvante, fotografia etc. A conferir 😉

Leia também:

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

4 comentários

  1. Cris, desculpe a bisbilhotice, mas onde você viu em BH? Quero muito ver esse filme mas não vi nenhum cinema que o esteja exibindo.

    Curtir

Deixar um comentário