Cássia Eller volta ao mundo, em carne, osso, voz e violão

Era 12 de agosto de 2001 e lá fui eu, acompanhada da minha irmã Vivi*, para o Mineirão. Estava acontecendo o até então tradicional Pop Rock Brasil, onde adorei ouvir o Skank, gostei bem menos de Capital Inicial e detestei ouvir Jota Quest e Sideral. Mas, antes de todos esses, quando ainda era dia e fazia sol, eu escutei Cássia Eller ao vivo. A Vivi era fãzona dela e tinha ido ao Pop Rock praticamente só para ver seu show. Eu gostava menos, mas adorava a música “O Segundo Sol” — que foi justamente a primeira que ouvi ao pisar no Mineirão naquele dia.

Não podia nem imaginar naquela tarde que, apenas quatro meses depois, Cássia Eller — aquele vozeirão que tocava de samba a Nirvana, passando por Beatles e Renato Russo — estaria morta.

De lá pra cá, passaram-se 13 anos. Comecei a gostar mais dela, à medida que minhas referências musicais se ampliavam, muito além do que eu conhecia aos 16 anos de idade. Fui percebendo, aos poucos, que aquela voz de Cássia Eller era única em território brasileiro. Sim, temos Elis, temos Marisa Monte, temos Elza Soares, e tantas outras. Mas o timbre de Cássia, seus gritos, sua irreverência no palco, sua espontaneidade vocal, seu gosto musical eclético — tudo isso é absolutamente único no Brasil, e remete a outros gênios do canto no mundo como Janis Joplin e Amy Winehouse.

Assim como as duas, Cássia morreu jovem, antes de completar os 40 anos. E morreu “causando”, no auge da fama (o que pode tê-la matado, por ser tão tímida e avessa ao sucesso fora dos palcos). Foi como um fogo de artifício, explodindo em sua passagem pela Terra, como outros loucos do mundo que já foram alvo de post neste blog (veja AQUI).

De qualquer forma, estava um pouco apagada em minha memória. E aí, coincidência ou não, foi de novo num agosto que voltei a ver um show de Cássia Eller, exatos 13 anos depois que a vi no Pop Rock. Ela não ressuscitou, mas foi como se fosse: assim que Tacy de Campos apareceu no palco, na noite deste domingo, de cabelos raspados, camiseta folgada, calça justinha, e cantando Lanterna dos Afogados com um baita vozeirão grosso e meio rouco, me vi diante de Cássia Eller de novo.

Divulgação
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Desta vez, não estava na multidão suada do Mineirão, todos de pé, mas num ambiente muito anticassiaellerístico: sentadinha no teatro do CCBB, debaixo de ar condicionado, pernas cruzadas. Apesar disso, não faltou vontade de cantar junto quando Tacy “Eller” de Campos entoou hits como Mercedes-Benz, Palavras ao Vento, Top Top, Por Enquanto, Coroné Antônio Bento, Todo Amor que Houver Nessa Vida, Malandragem, ECT, Relicário e Smells Like Teen Spirit. (E, claro, O Segundo Sol).

Primeiro de tudo: o timbre da voz de Tacy é o mesmo do de Cássia. Ela canta grosso, a muié! Mas conversa soprando, como os entendidos de Cássia Eller dizem que ela fazia, de tão tímida que era. Anda no palco marchando, mas conversa com desconhecidos com os braços enroscados atrás das costas. Arrepia em português, espanhol, inglês e francês e era uma conquistadora, de homens e mulheres, embora insegura e meio dependente dos outros para fazer as coisas mais pés-no-chão, como pagar as contas. Assim ela foi retratada no espetáculo e assim eu a imaginava mesmo. A atriz Tacy de Campos encarnou Cássia Eller como se ela tivesse nascido de novo — será que um dia conseguirá deixar o personagem? O que sei é que, com aquele vozeirão, se Tacy fizer carreira na música, vou comprar os CDs todos.

Não bastasse isso, todos os outros personagens também são incríveis, interpretados por outras pessoas que têm um talento imenso tanto para a voz quanto para o instrumental. A voz mais maravilhosa de todas, na minha opinião, foi de Evelyn Castro, que interpreta a mãe de Cássia e uma de suas namoradas. Mas também são lindas as vozes de Thainá Gallo (que faz Lan Lan), Eline Porto, que faz Eugênia, a mulher e também mãe de Chicão, e de Emerson Espíndola, que faz um Nando Reis gracinha demais, ainda mais quando canta All Star.

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São duas horas de show e teatro (mais show que teatro, ainda bem), com 34 canções, e a narrativa da impressionante vida de uma mulher que deixou uma marca importante na música brasileira, fazendo questão de se firmar como intérprete, e não compositora. Nessas duas horas, eu ri, chorei, me arrepiei, fiquei triste e fiquei feliz. Mas o mais legal é que fui assombrada por uma antiga ídola da minha adolescência — ou seja, vivenciei um relógio voltando no tempo, me vi de novo com 16 anos de idade, ao lado da minha irmã mais velha, como se estivesse naquela pausa mágica, de fim de ano, que só os fogos de artifício proporcionam: olhando e admirando.

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Um pouco de serviço:

  • O espetáculo “Cássia Eller – O Musical” já passou pelo Rio de Janeiro e chegou a Beagá na última sexta-feira (8). Ficará em cartaz até o dia 1 de setembro, uma segunda-feira. Grande parte dos dias já esgotaram e os ingressos começam a vendidos nas quartas-feiras, quando logo se esgotam, o que tem gerado uma fila enorme, desde o raiar do dia (as vendas online já se esgotaram). A inteira custa R$ 10 e a meia, R$ 5.
  • O musical é apresentado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), num daqueles prédios maravilhosos e históricos da praça da Liberdade. Nas sextas e segundas, às 20h; sábados e domingos, às 19h.
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Fotos: CMC

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  • Depois de Beagá, São Paulo receberá a peça entre 19/9 e 10/11. Em seguida, Brasília, terra onde Cássia Eller começou sua carreira artística, verá o espetáculo de 5 a 22/12 e, depois, de 9 a 26/1/2015.
  • Cássia viveu em Belo Horizonte dos 6 aos 10 anos e, mais tarde, aos 19 anos (não descobri até quando), época em que trabalhou como ajudante de pedreiro na capital mineira. Era torcedora do Galo 😉
  • O musical tem direção de João Fonseca e Vinícius Arneiro, texto de Patrícia Andrade e direção musical de Lan Lan e de Fernando Nunes, ambos músicos que tocaram na banda de Cássia.
  • CLIQUE AQUI para se informar mais sobre o musical.

* Minha irmã Vivi (Viviane Moreno) hoje é jornalista de cultura, subeditora do jornal “Hoje em Dia”.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

11 comentários

  1. O que dizer?
    Amei tudo que li… Sou apaixonada pela Cássia desde os meus 12 anos.. foi arrebatador o contato com ela. Ela mudou a minha vida!
    Adorei o relato, a paixão com que você descreveu tudo!
    Abraços,
    Sofia

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