Brincar também é para adultos

Do blog da Alice: http://aliceecila.tumblr.com
Do blog da Alice: http://aliceecila.tumblr.com

Era a festa de um aninho da minha prima de segundo grau. Tudo decorado e bonito, em bufê infantil. Os adultos dispostos em mesas, tomando a cerveja do fim de semana, comendo salgadinhos. A criançada, sem tempo pra lembrar de comer ou tomar refri, deliciada com a casinha de bonecas, o mercadinho, o pula-pula, a piscina de bolinhas. E eu, perdida entre a cerveja, o refri, o almoço e os vários brinquedos à minha disposição: pinball, Xbox One, mesinha de hockey, totó, fliperama de corrida de carros.

Nas três horas em que fiquei na festa, me vi disputando a fórmula 1 em meio a várias batidas, jogando uma partida acirrada de hockey de mesa, batendo o oponente em 10 a 3 no totó (Galo 10, Bayern de Munique, 3!), suando em bicas, tentando acompanhar os movimentos de um frenético Justin Bieber na dancinha do Xbox One.

E, assim, se perguntar à criançada o quanto eles se divertiram na festinha, é capaz que respondam: “Demaissss!”, mas vou sempre acrescentar um “s” no fim para dizer como me senti. Na volta pra casa, eu estava falante, bochechas vermelhas, rindo à toa: tinha brincado mais que qualquer um naquele quarteirão.

Isso me fez pensar. Os jogos foram inventados, 2.600 anos antes de Cristo, e foram sendo brincados ao longo dos séculos seguintes, a princípio, por adultos. É comum ler em livros e ver em filmes sobre períodos antigos da História em que a nobreza se reunia com frequência para jogar e que era através de jogos e danças que as mulheres eram apresentadas a seus pretendentes, por exemplo. Assim, foram criados jogos de tabuleiro, de cartas e os esportes.

Mas, na sociedade em que vivemos, os jogos e brincadeiras foram ficando relegados às crianças. É raro ver adultos se reunindo para jogar. E, mesmo assim, há os jogos vistos como “aceitáveis” pelos adultos (poker e buraco, por exemplo) e outros que já são tachados de infantis. O lúdico é visto como algo ridículo.

Leio agora que, na Idade Média, quando a Igreja Católica controlava o pensamento e a moral de forma bem rigorosa, muitos jogos foram condenados como algo imoral e vergonhoso. Pois bem, caiu o conceito de imoral, mas persistiu a vergonha. Agora, brincar é infantil e um adulto que entre na roda está fazendo papel de bobo.

Quem perde com isso? Quem não se dá ao prazer de brincar. De sair de uma festa com as bochechas coradas, a testa brilhando de suor, e uma euforia indescritível no peito.

Esta época de Natal costuma vir com uma brincadeira a tiracolo: o amigo-oculto (ou secreto, em algumas regiões do país). Vale entrar de cabeça no jogo, usar a criatividade, tornar o evento menos burocrático e mercadológico e mais lúdico. E que tal se os adultos experimentassem se reunir, de vez em quando, só para brincar? Vale ser jogos de tabuleiro, de cartas, mas também os clássicos Pedro-Paulo e outros que mexem com a memória, a língua e a interação.

Acho que muitos problemas de estresse, fadiga, tédio e demência seriam amenizados se pudéssemos resgatar o prazer e o lazer dos jogos em nossa adultice excessivamente séria e chata.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

2 comentários

  1. Engraçado que nessa semana mesmo riram de mim no trabalho porque eu estava conversando com outro colega e ele falou em brincar (porque íamos nos reunir pra jogar um card game).

    Nunca deixei de brincar – acho que vou ser desses tiozões que ficam brincando em festas de criança me divertindo enquanto os outros adultos me olham de nariz torcido.

    Curtir

    1. Também sou dessas tiazonas, rs! Não acho que tenham me olhado de nariz torcido (se alguém olhou, não reparei), mas sempre brinco. Adoro brincar! Já custei a deixar de me considerar criança (meu pai me chamava de Peterpana), meio que pulei a adolescência, e, embora tenha virado “adulta” há um bom tempo, com todas as obrigações implícitas (contas a pagar, trabalho, cuidar da casa etc), nunca gostei da palavra. Acabo virando a “tia doida” das sobrinhas, a que interage com todas as crianças, a “palhaça” das rodinhas. E sou feliz assim 😀

      Curtir

Deixar um comentário