Brasil tem extermínio de negros, inclusive institucional

Texto escrito por José de Souza Castro: 

“Os negros e pardos brasileiros são vítimas de racismo institucional?”. Essa pergunta fecha o artigo do jornalista Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa, publicado neste sábado sob o título “O genocídio dissimulado”.

Ele começa por criticar o desinteresse da imprensa pelo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre racismo no Brasil. Apenas os jornais “O Estado de S. Paulo” e “O Globo” publicaram notícia a respeito. O primeiro, numa pequena nota escondida no meio de uma coluna. O segundo, numa reportagem que, segundo Luciano, parece ter sido baseada na apresentação feita pelo diretor do instituto, Daniel Cerqueira, ao estudo publicado no 4º Boletim de Análise Político-Institucional do Ipea, no capítulo intitulado “Segurança Pública e Racismo Institucional”.

O articulista desconfia de negligência da imprensa, mas também pode ser que o Ipea tenha falhado na divulgação do estudo.

Indiscutível é a importância de suas revelações, como se pode ver neste pequeno resumo do texto de Luciano Martins Costa:

  • Mais de 60 mil pessoas são assassinadas a cada ano no Brasil; há um forte viés de cor/raça nessas mortes; o negro é discriminado duas vezes – pela condição social e pela cor da pele.
  • O risco de morte violenta se apresenta muito mais elevado para adolescentes e jovens do sexo masculino, independentemente da cor da pele ou da classe de renda e educação, do que para pessoas adultas. Ou seja: no período da vida em que mais se expõem à interação social é quando os jovens brasileiros estão sob maior risco de morte.
  • Os brasileiros negros e pardos, sejam ricos ou pobres, seja homem ou mulher, têm quase oito vezes mais possibilidade de se tornar vítima de homicídio do que as pessoas não-negras. Para cada três vítimas de assassinato no Brasil, duas têm a pele escura.
  • O estudo expõe o relativo equilíbrio entre os dois universos comparados – 96 milhões de negros e pardos e 94 milhões de não-negros. O resultado é chocante: apesar de serem as maiores vítimas da violência, negros e pardos evitam fazer queixa à polícia em caso de agressão, porque não acreditam na instituição ou por medo de represália.
  • Os números contextualizados pelo Ipea revelam a persistência de uma política de extermínio causada ou permitida por instituições públicas no Brasil, seja pelo desinteresse em atender ocorrências que têm negros e pardos como vítimas, seja pela ação letal da polícia quando esses cidadãos estão envolvidos ou são suspeitos de participar de ações delinquenciais.
  • Apenas no caso de suicídios os índices de mortes entre não-negros é superior, ou seja, mesmo com chances muito menores de segurança e bem-estar, negros e pardos dão mais valor às suas vidas.

Não é a primeira vez que este blog tem escrito sobre o racismo no Brasil, que torna nossa democracia tão incompleta. Se a imprensa desse a importância necessária ao tema, talvez nosso racismo dissimulado não fosse tão persistente.

***

Nota da Cris: Nem todo jornal ignorou o estudo do Ipea. O mineiro “O Tempo” (onde hoje trabalho) dedicou a capa da editoria Brasil ao estudo, em material de página inteira que saiu na edição impressa de 18/10 e no portal.

O cartunista Latuff é um dos que mais abordam a questão em sua polêmica arte. Abaixo, alguns exemplos:

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Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

6 comentários

  1. Pois é, dizer que no Brasil não existe racismo é uma mentira tão grande que chega a ser imoral! Eu vivo esse racismo praticamente todos os dias…

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    1. Acho uma hipocrisia danada dizer que aqui não existe racismo. Felizmente há muita gente já percebendo que o racismo dissimulado pode ser ainda mais prejudicial do que o explícito, como o que ocorria nos EUA. Ao menos lá, pelo descaramento do problema, as lutas contra o racismo foram muito mais fortes. Aqui todos só tapam os olhos e fingem que não vêem…

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      1. Concordo plenamente. É mais ou menos como gosta de dizer minha esposa: “as vezes é muito melhor você fingir que o problema não existe, pois ao reconhecê-lo é preciso tomar uma atitude!” E tomar uma atitude é tudo que muitas pessoas não querem ou mesmo não gostam de fazer. Boa noite e boa semana para você!

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