Oito assaltos, oito reações (mas não devemos nunca reagir)

1994

Minha irmã está voltando da escola, quando é abordada por um garoto, que anuncia o assalto. “Me passa a mochila”, diz ele. Ela abre a mochila, mostra que estava vazia, rasgada, sem qualquer atrativo. Ele pede, então, o tênis. Apesar de ser de marca, acho que Nike, também não estava nas melhores condições. Ela mostra a sola soltando, os buracos, o encardido. Ele desiste. Minha irmã acabara de se livrar de seu primeiro assalto na lábia.

1996

Estou passeando com minha cachorrinha, a Kika, para comprar pão e conversar com a Creusa, da banca de revistas. Levo R$ 10, volto com troco de pouco mais de R$ 9 (porque, como se sabe, os pães custavam bem menos do que hoje, e o real valia bem mais…). R$ 5 numa mão, o restante na outra, amassadinho na mão fechada sobre a coleira da Kika. Já chegando em casa, dois garotinhos, ainda menores que eu, gritam pra eu dar o dinheiro, ou me furariam com um suposto caco de vidro que estaria, supostamente, sob a blusa de um dos dois. Do alto dos meus 11 anos de idade, entrego a nota de R$ 5, contrariada. Olho pra Kika, bem frustrada: foi o meu primeiro assalto e a cachorrinha, que sempre foi brava e latiu com todo mundo, só faltou dar umas lambidinhas carinhosas nas perdas do assaltante.

2000

Passo por uma calçada bem estreita, onde dois homens jovens, fortes e carecas cercavam uma mulher. Distraída, nem notei que os dois portavam facas pontudas: passei entre o trio, “dá licença, dá licença”, e segui meu caminho. Mais tarde, um quarteirão adiante, a mulher passa por mim, aos prantos, dizendo que tinham acabado de levar todo o salário dela, recém-sacado. “E você não percebeu?”, ela pergunta. Não, não percebi.

2003

Chego em casa de uma aula noturna da faculdade. Desço no ponto de ônibus, a uns quatro quarteirões de distância. Ruas escuras no bairro, desde sempre. O porteiro de um prédio me alerta: “Cuidado, que tinha uns tipos estranhos por aí”. Dou de ombros. Sempre achei esse papo de tipos estranhos puro preconceito. Vejo o grupo de adolescentes na escadaria, continuo seguindo meu caminho. Quando faltava apenas 20 metros para chegar em casa, ouço o barulho de búfalos trotando às minhas costas, sinto um braço me enforcando por trás, levo uma gravata, caio no chão, eles arrancam minha bolsa e a pasta da minha mão, saem correndo de novo. Deve ter durado apenas três segundos, não deu tempo de chorar, mas o susto me fez mijar na calça jeans. Vejo janelas se abrindo para checar que barulheira era aquela, subo o elevador tremendo. Saldo do meu primeiro assalto violento: um vale-transporte, R$ 2, páginas xerocadas para a faculdade, um livro, um celular-tijolão, documentos e um álbum com as fotos do meu aniversário. Menos de uma semana depois, já tinha encontrado de novo a bolsa com documentos e alguém entregou na faculdade a pasta com os xerox e o livro. Fiquei sem o celular-tijolão e, para meu maior lamento, sem minhas fotos e o filme da revelação, que nunca devolveram…

2006

Estou ao volante do meu carro, parada no sinal vermelho — como sempre, com o vidro aberto até embaixo. Um senhor de idade, parrudo e forte, chega bem perto da janela, de supetão, e ameaça: me passa sua bolsa ou te dou um murro no olho. Penso nos meus óculos. Digo, arriscando levar o tal murro: “Não estou com a bolsa”. Não lembro se não estava mesmo ou se apenas blefei, mas não levei murro nenhum, apenas ouvi um monte de palavrões desaforados.

2008

Viaduto do Chá, São Paulo, 21h30. Estou voltando do jornal, com a bolsa pendurada num ombro. Desço do fretado, só preciso cumprir 100 metros até o hotel, que servia de casa. Um homem surge do nada: “Me passa sua bolsa ou vou te dar uma esfaqueada!” “Quê?” “Sua bolsa, ou te dou uma esfaqueada!” “Vai mesmo me esfaquear no meio dessa rua cheia de gente?” Pausa. Olho para os lados, meio desesperada, e não vejo viv’alma. Silêncio. Merda, pra que fui falar de multidão, por que não dei a droga da bolsa? “Certo. Vai com deus então”, diz ele. Ainda sem acreditar muito bem, sigo meu trajeto de 100 metros, a passos lentos, sem olhar para trás.

2012

“PERDEU! PERDEU! PASSA TUDO!”, e a arma apontada, trêmula e vacilante, na minha orelha esquerda. Meu primeiro assalto à mão armada foi na estrada de Santos, como passageira de um carro, vidrão aberto até embaixo de novo, e o saldo foi apenas uma carteira velha, CNH, dois cartões de banco, cheques, carteirinha do Sesc, do plano de saúde, do clube, de livrarias, uma foto da minha sobrinha, uma moeda da sorte, fotos 3×4, cartões profissionais, menos de R$ 10. Nenhum tiro — e não mijei nas calças.

2013

Minha irmã está num ponto, à espera do ônibus para o trabalho. Vê, meio distante, um rapaz magrinho, baixinho, cabelos tingidos de loiro, fone no ouvido, unha do dedão mais comprida que as demais, pintada com base, vaidoso. Parecia apenas um adolescente como qualquer outro, que logo pegaria seu busão também. Ele se aproxima aos poucos. Quando está bem perto, diz: “Perdeu, perdeu!” Minha irmã, incrédula: “Você está me assaltando? Estou indo trabalhar…” “Passa o celular, perdeu, perdeu… Estou precisando de dinheiro.” “Eu também preciso, por isso estou indo pro trabalho.” “Também estou trabalhando“, responde o rapaz desarmado, enquanto ela perde o ônibus e tem que pegar o primeiro que vê em seguida, pra se livrar do “trabalhador”.

Sem mais.

***

Moral da história: até hoje tenho dúvidas se não devemos, mesmo, nunca reagir. Será que o assaltante não mata porque quer matar, e não porque o assaltado reagiu? Sei lá… Deem sua opinião abaixo 😉

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

6 comentários

  1. Nos cinco anos em que morei em Belo Horizonte, passei por doze situações semelhantes. O saldo final foram dois celulares perdidos. Felizmente, nas outras dez situações saí ileso, e nenhuma das vezes houve violência física.
    A violência psicológica, no entanto, é muito pior. O trauma fica.

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  2. Reagir nunca é bom, e infelizmente qualquer tipo de reação é perigosa, mesmo o susto, o pavor do momento, de ambos, podem trazer prejuízos muito maiores que os materiais.
    Mas onde foi tudo isso? Em BH? Moro em SP desde 1980 e só passei por um roubo de tênis em um ponto de ônibus, e nesse caso eu dei mole mesmo, nike novinho no pé e ponto de ônibus no extremo da periferia as 23:00 horas de um domingo.

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  3. Bom eu ontem dia 29 de março de 2016, As 12:22 Estou Eu Subindo uma Rua, para buscar minha sobrinha na Escola, Conversando com o meu Namorado, quando de derrepente, vejo uma moto se aproximar de mim lentamente, Eu estava tão destraida, que nem me liguei , como eu ia atravessar a Rua pensei que aquele rapaz de Moto, Fosse passar para a Tal rua, Como ele estava de Capecete não entendi bem o que ele Falava, OK , coloco o meu pé na rua para atravessar, e ele vem com a sua ‘Motona’ e super bem vestido, :’ Vai Passa o Celular! E eu : Oi? , fiquei sem reação nenhuma, Aí agora ele Repete a Pergunta, e levanta a Blusa querendo dizer que estava armado , Olhei bem pra onde ele dizia estar a arma, e continue Parada, Já em Pânico , e totalmente fora de Mim, Não pensei Duas vezes, Sai correndo , deixando ele parado sem Reação nenhuma tbm, só não veio atrás de mim, porque o lado onde eu corri estava movimentado e tem uma base de Polícia perto, Cheguei na escola para busca minha sobrinha,totalmente desnorteada , com falta de ar, totalmente em pânico, moral da história ? Eu tive sorte, mas nunca, repito NUNCA devemos reagir a um assalto, estou aqui para contar isso, mas poderia não estar

    Moro na Z Sul de SP

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