Duas cenas de machismo em um dia qualquer – e a vingança de uma mulher

Cena 1:

Vou a uma loja do Ponto Frio. Precisamos de um colchão. “Procure o Luan, do setor de móveis.” Encontramos o rapaz, explicamos o que queremos. Ele responde, olhando apenas para meu namorado. Faço perguntas que ele ignora. Ele pede ao meu namorado para experimentar o colchão, não faz o mesmo comigo. Peço pra ele fazer um cartão anotando os preços dos colchões, para avaliarmos. Ele faz e entrega nas mãos do meu namorado, deixando minha mão estendida, no vácuo; nem sequer me olha. Parece que meu namorado é o consumidor, aquele que tomará as decisões e fará o pagamento, e eu sou apenas um acessório do consumidor. Fico indignada com o tratamento, vamos embora dali.

A vingança: vamos a uma loja da Ortobom, no mesmo piso do shopping, onde somos atendidos cordialmente por um senhor de jaleco e óculos que se apresenta como seu Dimas. Ele atende aos dois igualmente, pede que experimentemos o colchão juntos, responde às perguntas dos dois. Depois de mais uma pesquisa, voltamos até o senhor Dimas e fazemos questão de comprar com ele, mesmo o colchão ali sendo um pouco mais caro que o do Ponto Frio. Antes de preencher a nota fiscal, ele pergunta em nome de qual dos dois deve registrar a venda.

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Cena 2:

Na saída do shopping, ruela congestionada. Que dá em outra rua, também toda travada. Quero virar naquela rua, mas o carro que está subindo resolveu parar no meio do caminho, deixando um longo espaço à frente, livre. Dou uma buzinadinha educada, indicando pra ele o espaço à frente, para que ele subisse e eu pudesse fazer a curva. Ele me vê, mas ignora.

A vingança: entro na pista do acostamento, faço uma curva rente ao carro dele, em manobra apertada mas rápida e precisa, e ele fica, junto com a mulher, me olhando sem entender. Encaixo meu carro na frente dele, naquele mesmo espaço livre, com perfeição. Desconcertado por ter sido “trapaceado” por uma ótima mulher ao volante, ele desata a buzinar, altíssimo, patético, como se fosse um crime eu ter passado à frente dele e aproveitado o escasso espaço da rua engarrafada. Dou um “joinha” pela janela, nem me digno a olhar para o motorista, que ainda segue buzinando até o sinal abrir e eu sair dali para a avenida, às gargalhadas.

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Pequenos machismos estão em todo lugar, são banais, aleatórios, cotidianos, repetidos. Cabe a nós, mulheres não-sexistas, sabermos nos posicionar diante deles. Pequenas vinganças são bem-vindas nesses casos. Nem que seja pra nossa própria satisfação — e dos que assistem à cena ao nosso redor.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

6 comentários

  1. Ótimas as suas atitudes nos dois casos. Eu também as tomaria em situação análoga. Parabéns. Haja sempre assim.

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  2. Não duvido que em muitas situações seja pior com as mulheres, mas esses animais do trânsito agiriam assim com qualquer um. É o que tenho visto todos os dias nas ruas de BH.

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  3. Eu acho que no caso do rapaz da Ponto Frio, uma boa seria voltar e falar essas coisas aí pra ele, pra ele entender que a atitude dele fez perder uma venda. Enfim, a pessoa precisa ficar sabendo, se não não sei se é exatamente uma vingança. Mas de qualquer forma curti o post, a do carro foi ótima, a maioria dos homens dirige mal pra caralho haha

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