A notícia mais triste do jornal do dia 29.11.2011

Em homenagem ao motorista Edmilson dos Reis Alves, que foi linchado por ter passado mal enquanto dirigia o ônibus em que trabalhava. Foi enterrado no dia em que faria 60 anos. Deixa mulher e quatro filhos.

 

Foto: Hélio Torchi / Futura Press

Não fumava, não bebia
só trabalhava.

Estava em seu quinto emprego
após seis bicos.

Tinha que sustentar a esposa
e os quatro filhos.

Pilotava um busão lotado
dez horas por dia.

Praça da Sé-Jardim Planalto
centro-zona leste.

Nas horas vagas,
cuidava da hortaliça.

Nas horas vagas?
trabalhava muito.

“Exemplar”, diziam os colegas.
O filho se espelhava nele.

Às 23h30 de domingo,
terminava a jornada do dia
cansado
a dez minutos de casa
passou mal
(beirava os 60 anos)
paralisado
olhos arregalados
bateu em 3 carros
3 motos
e no pé de um homem
estava morrendo?
nunca se saberia
porque uma horda de 40
o arrancou pela janela
e estraçalhou sua cabeça
com um extintor de incêndio
assim, sem mais:
“Endemoniados”,
cegos de fúria
cegos do julgamento precoce
fomentado pelo fato de serem
Multidão.

Ele virou capa de jornal.
A viúva chora.
Os filhos choram.
Os colegas choram.
Os passageiros choram.
Os leitores choram.

O churrasco de aniversário teve que ser cancelado: foi enterrado no dia da festa.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

24 comentários

  1. Cris, você já leu um livro – pequeno – chamado Guerra Civil, do Hans Magnus Enzensberg?
    Se leu, dá para entender esse escândalo e tantos mais que estamos assistindo
    Se não leu, leia, rápido. Vale a pena!

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  2. Eu pensando que essa foi a pior da semana, e ontem quando cheguei na faculdade, uma amiga minha que mora em Guaianazes disse que durante essa mesma semana, uma multidão ensandecida simplesmente empurrou uma moça (você sabe como é quando o trem ou o metrô nem chegou e aquele bando já está empurrando pra entrar sendo que o negócio ainda nem parou) quando o trem estava chegando, daí não teve como parar e simplesmente a menina morreu! Agora você imagina só, acorda cedo, sai pra trabalhar e uma multidão de não sei nem dizer o quê, te empurra na linha do trem e você morre! E claro, a CPTM não divulga, e também não coloca uma proteção, não coloca alguém pra controlar as entradas, ou portas de segurança e nem aplica um programa de educação do tipo “como se portar na estação”. Daí 5 minutos depois, mais uma multidão já está lá tudo se empurrando de novo… Esse comportamento me revolta e me dá vontade de ir embora desse lugar pra um lugar onde as pessoas tenham um mínimo de preocupação com o próximo!

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      1. Pois é, e minha amiga disse que na mesma semana 3 funcionários morreram na mesma linha pois estavam sem colete de proteção daí o trem passou por cima! Mas isso saiu na mídia, agora essa da menina eu acho que também deveria ter saído e nada… =/

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  3. Ela viu, viu eles passando com o corpo e tudo! Travaram as catracas pro pessoal não entrar e foram passando com o corpo no saco preto… =/
    Merece uma investigação isso né?!

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  4. É revoltante e comovente ao mesmo tempo, Cris.

    Porém parece que a prática da “justiça com as próprias mãos” por parte da “multidão” vem se tornando comum. Conheço um rapaz que se envolveu em um acidente de trânsito ( ele estava trafegando com a bicicleta no meio fio e o carro desviou de um buraco, derrubando o ciclista) e o motorista até chegou a descer do carro para prestar os socorros necessários, mas quem disse que a “multidão” deixou? Se o motorista ficasse por lá seria linchado.

    Belas palavras, bela homenagem…e que tristeza! Sei lá quantos milhões de anos de evolução para dar nisso aí 😦

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  5. Infelizmente é mais um caso de intolerância. Nas grandes cidades como São Paulo, perde-se a vida por tão pouco e, desta vez, simplesmente porque passou mal. Como se o que fizeram pagasse os prejuízos…

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  6. Ontem eu li um relato de uma mulher que anos atrás, quando era uma minuscula criança, foi torturada das mais diversas formas possíveis por anos e anos a fio. Não por uma multidão, nao por um soldado de guerra, nao por um traficante. Por sua própria mãe. Cenas devidamente assistidas em silêncio pela avó e pelos vizinhos. Além de chorar muito durante a leitura, eu nao poude deixar de pensar várias vezes: tomara que alguma dessas profecias de fim de mundo seja verdade e que isso que a gente chama de Terra exploda logo – a raça humana não merece continuar viva… (se quiser ler o relato, aqui está: http://revistamarieclaire.globo.com/Revista/Common/0,,EMI280471-17597,00-MINHA+MAE+ME+TORTUROU+E+TENTOU+ME+MATAR+DEI+A+VOLTA+POR+CIMA+E+VIREI+EDUCAD.html )

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  7. No fundo, não somos nem um pouco Homo sapiens, Cris. Nossa diretriz primária é matar. Dominamos a Terra não porque éramos os mais inteligentes, ou mesmo os mais cruéis, e sim porque sempre fomos os mais loucos, os mais desgraçados homicidas da floresta.

    Antes que você pense que endoidei de vez, quem diz isso não sou eu, mas um sábio personagem de Stephen King em “Celular”. Aparentemente, com base em estudos de Freud, Jung, Adler e Darwin. Estamos de volta à selva…

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