CNJ perde poder para caçar juízes corruptos

Texto de José de Souza Castro:

Leio hoje na “Folha de S. Paulo” que ganha fôlego movimento para esvaziar o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado em 2004 para controlar os órgãos da justiça no país. É uma pena que isso aconteça. Tenho lamentado repetidas vezes que a imprensa, em geral, não se anima a apurar em profundidade os malfeitos dos juízes. Sem um CNJ forte, a corrupção no judiciário tende a aumentar.

A “caixa preta” do judiciário começou a ser aberta em 2007 por um relatório da Corregedoria do CNJ, que confirmou algumas suspeitas de cobrança de propina e de tráfico de influência numa categoria até então imune a críticas oficiais.

Até agora, o CNJ tem poderes para investigar juízes independentemente do início de apurações pelas corregedorias dos tribunais. O que se quer é mudar isso. Entre os interessados na mudança está a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que entrou com ação no Supremo. Não tenho como saber se é verdade, mas no dia 13 último o jornal “Hoje em Dia” publicou que um juiz de Montes Claros, Danilo Campos, escreveu, ao examinar um processo, que a representação da classe “tornou-se refúgio de magistrados carreiristas, que lograram o milagre de fazer da arriscada atuação sindical uma fonte perene de proveito para suas carreiras.” O juiz faz parte de um tal Comitê de Combate à Corrupção. Não sei do que se trata.

A ministra Eliana Calmon, do STJ, que se notabilizou por ser a primeira mulher brasileira a ocupar um cargo em tribunal superior, assumiu em setembro do ano passado a Corregedoria Geral do CNJ, criticando as práticas burocráticas, e declarando: “Para mim, corrupção no Poder Judiciário é tolerância zero.”

Na próxima quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar ação ajuizada pela AMB pedindo restrição à atividade do CNJ. A AMB pode não gostar dessa história de tolerância zero. Segundo a Folha, se o Supremo decidir que o CNJ tem que atuar de forma complementar, “estaria aberta a possibilidade de anulação de condenações anteriores, hipótese admitida pelos ex-ministros Nelson Jobim e Miguel Reale Júnior”. Não é uma beleza?

Um dos ministros que vão decidir a questão, Marco Aurélio Mello – que chegou ao Supremo nomeado pelo primo, o então presidente Collor de Mello –, já havia anulado em dezembro passado decisão do CNJ que afastara o presidente de uma associação de juízes federais acusado de fraudar contratos de empréstimos da Fundação Habitacional do Exército.

No mesmo dia em que se publicava o desabafo do juiz de Montes Claros, o presidente do Supremo, Cezar Peluso, votou contra a presidente da CNJ, Eliana Calmon, que pretendia apurar denúncias contra duas juízas do Pará, e foi acompanhado por dois ministros. A denúncia era que um bloqueio de R$ 2,3 bilhões de uma conta do Banco do Brasil pudesse favorecer uma quadrilha especializada em golpes. O CNJ vai poder apurar, mas não num processo disciplinar, que é público, e sim numa sindicância, protegida pelo segredo de Justiça.

Ou seja, contra juízes supostamente corruptos, ao contrário de outros cidadãos que respondem a processos por corrupção, não se pode punir com a sua exposição pública. O que, em geral, é a única punição que sofrem os corruptos neste país.

Em meados deste ano, o CNJ passou por uma renovação. Um dos novos conselheiros, José Lúcio Munhoz, logo depois da posse, apresentou ao colegiado a proposta de redução de poderes do Conselho Nacional de Justiça. Terão os juízes corruptos colocado dentro do CNJ um cavalo de Troia? Só o tempo dirá.

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

10 comentários

  1. Esse artigo é uma prova de como o fornecimento de informações, esta saindo das mãos dos grandes veículos e se abrigando em blogs de jornalistas “inconsequentes” e corajosos.

    Eu acho maravilhoso o assassinato de reputação dos safados do governo pela grande mídia, não pela subtração irrelevante de alguns vermes parasitas, mas pelo novo posicionamento que a imprensa vem tomando perante a sociedade, alimentando a expectativa popular por novas investigações e denuncias, o que tornará o caminho de volta, em casos convenientes, prejudicial a imprensa e benéfico aos jornalistas “irresponsáveis”.

    a prudência em relação ao judiciário escancara essa incoerência oportunista da imprensa, e espero que isso um dia viabilize financeiramente o trabalho dos novos fornecedores de informação.

    Obs: quando escrevo grande mídia, não estou me referindo de forma generalizada todos os profissionais envolvidos, apenas a postura institucional das empresas em questão.

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  2. Caro Urian Antunes. Felizmente, a grande imprensa também começa a despertar para o grave problema do nosso judiciário. Muito bom o editorial do Estadão, nesta segunda-feira. Aí a íntegra:

    “Uma das principais decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que começou a funcionar em 2005, foi a de fiscalizar, processar e aplicar sanções administrativas a magistrados envolvidos com corrupção, nepotismo e tráfico de influência. A tarefa cabia às corregedorias dos tribunais, mas muitas delas foram corroídas pelo corporativismo. A pretexto de preservar a “imagem da Justiça”, essas corregedorias deixavam de expor irregularidades de todo o tipo, cometidas por juízes.

    Em seis anos de atuação, o CNJ condenou 49 magistrados. Desse total, 24 foram punidos com a pena máxima no plano administrativo – a aposentadoria compulsória. Os casos mais rumorosos foram os do ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e do desembargador José Eduardo Carreira Alvim, do Tribunal Regional Federal (TRF)da 2.ª Região. Acusados de favorecerem máfias dos caça-níqueis, eles foram aposentados em 2010. Além disso, o CNJ colocou 6 magistrados em disponibilidade, afastou 15 provisoriamente, removeu 2 compulsoriamente e submeteu 1 à sanção de censura. Em 2009, as punições atingiram um corregedor do Tribunal de Justiça (TJ) da Região Norte, que foi aposentado por engavetar processos contra desembargadores da Corte.

    Apesar da contribuição que tem dado para impedir que uma minoria de juízes acusados de desvio de conduta comprometa a autoridade de uma corporação integrada por 14 mil magistrados, o CNJ está correndo o risco de perder atribuições e ser esvaziado. Isto porque, pressionada pelas corregedorias dos tribunais, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando as prerrogativas do órgão encarregado do controle externo do Judiciário. A AMB alega que o CNJ não teria competência para punir e que só poderia atuar nos casos de omissão das corregedorias dos tribunais.

    A ação já está na pauta do STF e seu relator, ministro Marco Aurélio Mello, tem sido um crítico do CNJ. Além do apoio público de entidades sindicais da magistratura, o recurso da AMB tem o endosso velado de membros do CNJ que são juízes de carreira. É o caso do presidente do órgão, Cezar Peluso. Na época do julgamento de Medina e Carreira Alvim, ele defendeu – sem sucesso – que os processos ficassem sob responsabilidade das corregedorias do STJ e do TRF da 2.ª Região e que a sessão fosse sigilosa, para não constranger os acusados. Durante anos, Peluso atuou ao lado do presidente da AMB, desembargador Nelson Calandra, no TJSP.

    Indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho, outro conselheiro que quer esvaziar o CNJ é o juiz Lúcio Munhoz. Empossado em agosto, ele apresentou uma proposta para que os procedimentos disciplinares contra juízes acusados de irregularidades fiquem a cargo dos tribunais a que pertencem. A proposta tem o mesmo objetivo do recurso da AMB. Ela foi divulgada por e-mail como espécie de “questão de ordem” às vésperas de uma sessão do CNJ convocada para julgar um procedimento envolvendo um juiz do Maranhão, acusado de liberar altas somas de dinheiro em ações nas quais não teria competência para atuar. Se o procedimento tivesse de ser aberto no tribunal local, esse magistrado seria julgado por uma corregedoria que recebeu 120 representações contra juízes, só em 2007, e não puniu nenhum deles. Nessa corregedoria há vários procedimentos arquivados por decurso de prazo.

    Como se vê, a atuação moralizadora do CNJ, que foi criado pela Emenda Constitucional 45 como uma resposta à crise da Justiça, incomoda muita gente – principalmente as cúpulas dos tribunais de segunda e terceira instâncias. A oposição contra o CNJ cresceu depois que a atual corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, acusou as corregedorias de serem ineptas, inoperantes e corporativas e propôs novas medidas para aprimorar investigações, por meio de parcerias com a Controladoria-Geral da União, a Receita Federal e os Tribunais de Contas.

    Se acolher o recurso da AMB, reduzindo a pó as prerrogativas do CNJ e fortalecendo as desmoralizadas corregedorias judiciais, o STF estará promovendo um retrocesso institucional.”

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  3. Sobre o Supremo Tribunal Federal, vale a pena ler o artigo publicado nesta quarta-feira pelo O Globo, de autoria do historiador e professor Marco Antõnio Villa, da Universidade Federal de São Carlos. Ele faz uma análise do relatório de atividades do Supremo Tribunal Federal em 2010. Em suas 80 páginas, o presidente do Supremo, Cezar Peluso, aquele que transformou o STF numa espécie de entidade sindical em defesa do aumento exorbitante dos salários do Judiciário, aparece em 12 fotos, algumas delas de página inteira.

    O autor não consegue entender como podem trabalhar no prédio do Supremo 2.822 funcionários, dos quais 1.148 terceirizados, ou seja, sem concurso público. E dos terceirizados, 435 são seguranças. “Nem a Casa Branca tem tanto segurança”, diz Villa. São 256 funcionários para cada um dos 11 juízes, enquanto alguns processos ficam ali dezenas de anos à espera de solução.

    É só um aperitivo. É preciso ler o artigo na íntegra, aqui: http://cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=noticias&dtlh=191718&iABA=Not%EDcias&exp=. Não podemos, tantos, continuarmos sendo enganados por tão poucos.

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  4. É verdade, na folha mesmo essa semana já saiu varias matérias sobre o assunto, inclusive com uma abordagem crítica em relação ao STJ. De qualquer forma mantenho meu resmungo e meu sonho megalomaníaco.

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  5. Muito interessante esse blog Diário de um Juiz, [http://www.diariodeumjuiz.com/?p=2569] feito pelo juiz do Tribunal de Justiça do Amazona Carlos Zanith de Oliveira Júnior. Ele está republicando ali o artigo do Marco Antônio Villa e também o do professor Joaquim Falcão, da FGV, que começa assim: “De repente o Judiciário mudou sua pauta. Em vez de combater o nepotismo, extinguir adicionais salariais, estabelecer metas de desempenho, implantar digitalização e estimular a conciliação, a pauta é outra. É aumento de salários, brigas públicas, judicialização de conflitos internos. É incrível a capacidade do Judiciário de destruir sua legitimidade. De abalar a confiança dos cidadãos.”
    O segundo endereço que me foi indicado por Luís Eduardo Lemos [http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/josino.html], no Blog do Massote, leva a um livro escrito em 2000 pelo engenheiro e economista Josias Moraes, ex-exilado político. Trata de um tema sobre o qual escrevi há alguns anos, a Justiça do Trabalho. Seu livro tem como título “A Indústria da Justiça do Trabalho – A Cultura da Extorsão”. Está disponível na Internet e quando tiver tempo vou ler.

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  6. Bom artigo no Balaio do Kotscho sobre a tentativa de calar a corregedora do STJ, Eliana Calmon. Trecho: Peluso deve ter ficado particularmente incomodado com uma comparação feita pela corregedora, quando ela diz que “o Tribunal de Justiça de São Paulo só vai se deixar ser investigado no dia em que o Sargento Garcia prender o Zorro”.

    Pois é isso mesmo, como sabem todos os que não entenderam as declarações de Eliana Calmon como uma acusação generalizada à Justiça, mas apenas uma constatação sobre os abusos e privilégios de uma casta de supertogados, que se acham acima do bem e do mal.

    Os donos do poder do Judiciário não admitem qualquer controle _ nem externo, nem interno. Julgam-se inimputáveis, como as crianças, os idosos e os índios. Dos 33 juízes punidos pelo Conselho Nacional de Justiça, desde a sua criação, em 2005, o Supremo Tribunal Federal já concedeu liminares suspendendo as penas de 15 deles.

    A íntegra do artigo pode ser lida aqui:http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/

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    1. Num País que avança lentamente para o Estado Democrático de Direito, tirar os poderes do CNJ, principalmente, em relação a investigação de magistrados corruptos, representa um retrocesso sem precedentes. Aliás, é necessário se pensar no ingresso na magistratura, através de eleições, como por exemplo: nos EUA. Em todas as classes existe corruptos, porém, não se pode premiá-los, como acontece no Judiciário, quando um magistrado chega ao limite, é aposentado compulsóriamente com todas as garantias trabalhistas. Enquanto o magistrado correto continua trabalhando, o corrupto vai a praia e recebe os mesmos direitos. Ísso foge a lógica. Acorda STF.

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