Impostos dos ricos

Grande Angeli!

Texto de José de Souza Castro:

Um dos meus passatempos favoritos é ler no jornal “O Tempo” os artigos semanais do jornalista Acílio Lara Resende, meu ex-chefe no Jornal do Brasil, e da advogada Sandra Starling, fundadora do PT mineiro. Esse jornal pertence ao ex-deputado federal tucano Vittorio Medioli, que costuma também escrever ali. Três desencantados com a política, mas que não conseguem se desligar.

Os dois primeiros, classe média típica aposentada. O último, milionário e empresário na ativa.

De vez em quando, além de ler os artigos de Acílio e Sandra, eu escrevo a eles pelo email, comentando. Há pouco, Acílio me enviou o artigo que será publicado nesta quinta-feira, falando sobre faxina. Comentei:

“Acílio, a Dilma não teve como símbolo de sua campanha eleitoral a vassoura. E faz de tudo para não ter o mesmo destino de Jânio, o último a usar o símbolo da faxina no governo para ganhar votos. Se puder, o que a Dilma vai fazer é aumentar os impostos, para poder construir alguma coisa como JK (aquele que também quiseram defenestrar do governo a título de combater a corrupção) e não precisar se preocupar muito com o que sai pelo ralo da roubalheira. Como não pode aumentar os impostos dos pobres e dos ricos, vai sobrar para nós, a classe média.

Você conhece a peça teatral Le Diable Rouge, de Antoine Raulti? Aí o final de um diálogo entre o poderoso cardeal Mazarino e o ministro das Finanças de Luís XIV, Jean-Baptiste Colbert, sobre como aumentar os impostos, já que seria impossível convencer o Rei Sol a reduzir as despesas do governo, que estava falindo. (Só para lembrar: Colbert desenvolveu todos os esforços para arruinar a reputação de Nicolas Fouquet, o superintendente-geral das Finanças que tinha acumulado fortuna por meios fraudulentos, até este ser detido, a mando do rei, por D’Artagnan, e Colbert se tornar controlador geral das Finanças em 1965 e tentou conter a corrupção desenfreada no governo).

Colbert: — Então como faremos?

Mazarino: — Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer, e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe média!”

Acílio devia estar apressado, e foi sucinto na resposta: “Você tem razão. Leu o artigo hoje da Sandra sobre FHC e o imposto sobre os ricos?”

Abri a página de “O Tempo” na Internet. Sandra considerava uma notícia auspiciosa o artigo publicado no “New York Times” por Warren Buffet, terceiro homem mais rico do mundo segundo o último ranking da revista Forbes, defendendo mais impostos para os ricos. E Sandra critica Dilma, que “anda perigosamente próxima de um combate à crise com remédios ortodoxos que significam arrocho salarial, reajuste mínimo para os aposentados e excessiva complacência para com os ricos, banqueiros ou não. Fernando Henrique, como senador, apresentou, em 1989, uma proposta de taxação sobre as grandes fortunas que ele, rapidamente, tratou de esquecer depois que chegou à Presidência. A Câmara dos Deputados tratou de pôr nela a pá de cal em 2007.”

Respondi então ao Acílio:

Warren Buffett já defendia isso antes de Obama ser candidato a presidente dos Estados Unidos. Está no livro dele, “The Audacity of Hope”, publicado em 2006. Acho que ninguém por aqui leu, pois não vi qualquer comentarista falar sobre isso depois desse artigo publicado pelo jornal de Nova York. Depois de escrever que havia sido convidado por Buffett para conversar no escritório dele em Omaha e se revelar deslumbrado com “o segundo homem mais rico do mundo” [coitado, caiu no ranking], gastando três páginas do livro com as ideias do “Oráculo”, Obama fez igual FHC, desistindo de lutar por vencer a resistência dos ricos para pagarem mais impostos.

Curioso é que já na época de Luís XIV havia “fortes” argumentos para isso. Um deles se vê naquele diálogo:

Colbert: — Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino: — Sim, é impossível.

Colbert: — E sobre os ricos?

Mazarino: — Os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres.

O cardeal Mazarino era um dos homens mais ricos da França… Ah! Não me recordo de já ter lido o dono do jornal “O Tempo” defendendo mais impostos para os ricos. E nenhum do clube dele, por sinal.

Por José de Souza Castro

Jornalista mineiro, desde 1972, com passagem – como repórter, redator, editor, chefe de reportagem ou chefe de redação – pelo Jornal do Brasil (16 anos), Estado de Minas (1), O Globo (2), Rádio Alvorada (8) e Hoje em Dia (1). É autor de vários livros e coautor do Blog da Kikacastro, ao lado da filha.

7 comentários

  1. eu gostaria muito também de ver os ricos pagando mais, e acho questionável o argumento de que os ricos não podem ser taxados pq eles investem em novos empreendimentos. Mas a verdade não muito evidente é que se trata de um problema de migração de capital. Anos atrás, quando o estado de NY resolveu taxar os mais ricos, o que simplesmente aconteceu foi que os milionários migraram seu capital para outros estados. Resultado: o estado de NY começou a arrecadar menos e os ricos continuaram ricos. Eis porque taxar os ricos nem sempre funciona.

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    1. Vocês viram esta matéria de ontem?

      Em carta, franceses ricos pedem para pagar mais imposto

      Oferta dos milionários vem em boa hora para Nicolas Sarkozy, que precisa cortar gastos e fazer ajustes fiscais

      Na petição, ricos dizem que querem preservar o modelo econômico francês e europeu, do qual se beneficiaram

      DO “FINANCIAL TIMES”

      Algumas das pessoas mais ricas da França, entre as quais Liliane Bettencourt, maior acionista da L’Oréal, pediram por impostos mais altos sobre os ricos, no momento em que o governo se prepara para anunciar pesados cortes de gastos para controlar as finanças públicas.
      Proposta semelhante foi feita pelo bilionário investidor americano Warren Buffett, que criticou o fato de estar sujeito a alíquotas de impostos mais baixas do que as de muitas pessoas que trabalham para ele.
      Christophe de Margerie, presidente da petroleira Total e membro da família Taittinger, e Maurice Lévy, presidente da empresa de publicidade Publicis, também fazem parte do grupo de 16 executivos e investidores endinheirados que assinaram uma petição publicada pela revista “Nouvel Observateur”, apelando por uma “contribuição excepcional” dos cidadãos ricos da França.
      “Estamos cientes de que nos beneficiamos muito do modelo francês e do ambiente europeu, ao qual temos grande apego e que desejamos ajudar a preservar”, afirmaram os signatários.
      A petição chega em momento oportuno para o presidente Nicolas Sarkozy, que disputará a reeleição no ano que vem e que propõe novos cortes de Orçamento para acalmar os mercados.
      O governo francês deve anunciar cortes de até € 13 bilhões (R$ 29,9 bilhões) para 2011 e 2012.
      “Na França, uma medida tem de ser considerada justa para ser aceita. [Um imposto sobre os mais ricos] fará com que todo o pacote pareça mais justo. Não há benefícios financeiros concretos, mas impacto político e social”, disse Dominique Barbet, diretor do banco BNP Paribas.
      A maior parte das famílias ricas da França decidiu se ausentar da lista de signatários da petição, defendendo cortes de gastos públicos. “

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    2. Pobres são os petistas que com sua prepotência , acreditam no apocalipse !
      Mediocres irão padeçer pela inveja e ciúmes , isto sim pecados mortais , aos
      quais um a um irão acertar aqui mesmo nesta terra podre!
      Atras das grades nunca ; serviços pesados aos ladrões de nossa gente.
      Todos falam e nada aconteçe , pois o vermelho está na alma dos assassinos!

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  2. Os ricos sabem que a galinha dos ovos de ouro está prestes a esgotar-se (a primavera árabe seria um prenúncio?), por isso, melhor é lançar-lhe alguns grãos de milho, antes que seja tarde demais. Os ricos sabem que se não houver mercado consumidor, suas fortunas padecerão por inanição, visto que elas só crescem, alimentadas por esse mercado.
    Nossos ricos são sovinas demais para perceberem o risco iminente, decorrente do esgotamento da classe média.
    Abraços, caro José.

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      1. Exato.

        E vcs leram que beleza o artigo do Clovis Rossi ontem? Ele quase que copiou meu pai hehehehe

        CLÓVIS ROSSI

        Os ricos não sofrem nem falam

        Injustiça tributária vale para França e Brasil. Bilionários da ‘Forbes’ deveriam prestar atenção

        Alô, alô, bilionários brasileiros na lista da revista Forbes: deem uma olhadinha, por favor, no apelo de seus colegas da lista francesa da Forbes para que sejam devidamente tributados. Sigam o exemplo, porque a iniquidade tributária não é produto francês, mas universal, inclusive e principalmente nestes tristes trópicos.
        Há abundantes dados para mostrar como é correta a decisão do governo francês de impor uma taxação “excepcional” aos ultrarricos. Errado é fazê-la valer só uma vez, quando a iniquidade é permanente, não circunstancial. A decisão foi anunciada um dia depois de que as “vítimas” puseram a corda no próprio pescoço.
        Posto de outra forma, em vez de o governo identificar um problema e atacá-lo, esperou que os beneficiários da iniquidade vestissem a carapuça para só depois atuar.
        Vamos aos dados. A regra de ouro de qualquer sistema tributário é simples: quem mais tem paga mais. Muito bem: na França, o 0,1% dos mais ricos paga uma alíquota de imposto de renda de 20,5%. Já a fatia de cima, o 0,01% ainda mais rico, paga menos (17,5%). E aquela meia dúzia (ou 0,001%) de ultra-ricos contribui com apenas 15%.
        É diferente no Brasil? Não, comprova estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) divulgado faz pouco mais de três meses. Por ele, verifica-se que “as mansões pagam menos impostos que as favelas e estas ainda não têm serviços públicos como água, esgoto e coleta de lixo”, como disse Marcio Pochmann, presidente do Ipea, no lançamento do estudo.
        Em números: os 10% mais pobres da população separam 32,8% de sua renda para pagar impostos diretos e indiretos. Para os 10% mais ricos, a participação é de 22,7%.
        Esses dados ajudam a entender por que o topo da pirâmide se apropria de 75,4% da riqueza nacional. A decisão do governo francês, embora correta, peca por deixar de lado uma proposta (a de taxação dos movimentos financeiros), que vira e mexe entra na agenda internacional – e sai rapidamente porque os governos não têm coragem de enfrentar o que os argentinos chamam, apropriadamente, de “pátria financiera”.
        O inchaço dela é outra anomalia do capitalismo contemporâneo, a ponto de ter capturado, nos últimos 10 anos, 41% de todos os lucros do setor privado norte-americano, conforme dados esgrimidos por Moisés Naím, agora colunista desta Folha, no tempo em que escrevia apenas para “El País”.
        Naím citou Simon Johnson, economista do Instituto Tecnológico de Massachusets (EUA), que afirma que apenas seis conglomerados financeiros controlam ativos equivalentes a 60% da economia dos Estados Unidos.
        Se valesse mesmo o critério lógico e óbvio de que quem ganha mais paga mais, o setor financeiro teria que dar uma contribuição forte para as arcas públicas, aliviando o sofrimento das classes médias, aposentados e funcionários públicos, que estão levando o peso maior do ajuste fiscal em curso em vários países da Europa.
        Por falar em classe média, é ela que, no Brasil, suporta o maior peso impositivo, em termos absolutos, E fica tudo por isso mesmo.

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