As verdades e mentiras do jogo político de Palocci

Com a palavra, Palocci.

Só se fala disso.

Palocci caiu. Fez bem, independente de qualquer coisa.

Gleisi Hoffmann assumiu no lugar. Foi boa escolha de Dilma, é mulher de Paulo Bernardo, é petista em ascensão (li tudo isso) etc.

Dispenso tecer comentários a respeito, porque vocês têm uma fileira de grandes analistas políticos em todos os sites de notícias e veículos jornalísticos à disposição, que dirão coisas muito mais importantes que eu.

Ocuparei este post com uma curiosidade que só vi hoje, por meio do blog do Fernando Rodrigues.

Um “perito em veracidade” (dessas modernidades de que eu nunca tinha ouvido falar) analisou a entrevista que Palocci deu ao Jornal Nacional, na sexta passada, por meio de “tecnologia de análise de voz”.

Ao fazer isso, concluiu que:

  1. “o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que todo o faturamento foi registrado nos órgãos competentes. No entanto, não está sendo verdadeiro quando afirma que este faturamento está relacionado à emissão de notas fiscais regulares e o recolhimento dos impostos.
  2. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que promoveu o encerramento das consultorias em andamento encerrando suas atividades na empresa. Não está sendo verdadeiro quando relaciona estes fatos com o aumento do faturamento no final do ano.
  3. o ministro Antonio Palocci não está sendo verdadeiro quando afirma que a empresa não possui mais nenhuma arrecadação.
  4. o ministro Antonio Palocci não está sendo verdadeiro quando relaciona o aumento do faturamento com o encerramento dos contratos.
  5. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que sua empresa nunca atuou em consultorias que envolvessem órgãos públicos e privados. É possível que ele, pessoalmente, eventualmente tenha dado alguma consultoria neste sentido.
  6. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que a empresa foi aumentando seu faturamento naturalmente.
  7. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que não divulga o nome de seus clientes. Provavelmente sabe que nem todas são idôneas. Não está sendo verdadeiro quando diz que se propõe a dialogar neste conflito político.
  8. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que as empresas que o contrataram vivem da iniciativa privada. Provavelmente não está sendo verdadeiro quando afirma que pouco tem a ver com obras públicas.
  9. o ministro Antonio Palocci não está sendo verdadeiro quando afirma que pesou o fato de ter sido ministro da fazenda.
  10. o ministro Antonio Palocci provavelmente não está sendo verdadeiro quando afirma que a diferença está baseada no encerramento dos contratos.
  11. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que buscou realizar todos os trâmites legais para o funcionamento da empresa. Não está sendo verdadeiro quando afirma que tudo foi adequado.
  12. o ministro Antonio Palocci provavelmente não está sendo verdadeiro quando afirma que ele e sua empresa não atuam mais em consultorias.
  13. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que toda a arrecadação da empresa se deu baseada em contratos e que estas informações permanecerão secretas. Não está sendo verdadeiro quando afirma que todas as informações faltantes serão prestadas a procuradoria geral da república.
  14. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que nenhum centavo se refere à política. Possivelmente existe algo relacionado à campanha eleitoral e sua atividade na campanha provavelmente não foi somente política.
  15. o ministro Antonio Palocci está sendo verdadeiro quando afirma que prestou contas do que fez na iniciativa privada, que não fez tráfico de influência e que não atuou junto a empresas públicas.”

A íntegra do documento está AQUI e é importante lê-lo para relacionar as conclusões ao contexto do que foi perguntado e respondido na entrevista.

Destaquei as “mentiras” apontadas pelo perito Mauro Nadvorny, pelas razões óbvias (embora as “verdades” que ele aponta também sejam importantes para a defesa do ministro, especialmente o item 15). Se essa técnica trouxe luz a verdades e mentiras reais, só mesmo Palocci poderia dizer.

Com a palavra, Antônio Palocci (se é que ele ainda tem a palavra).

Ou “com a palavra” Roberto Gurgel, que arquivou um processo em vez de seguir com a apuração dos indícios e verificar as verdades e mentiras implicadas?

Deixo a palavra então a todos nós, que somos seres pensantes e podemos tirar nossas próprias conclusões de todo esse jogo político 😉

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

9 comentários

  1. Creio que o cerne da questão não está em descobrir verdades e mentiras ditas por Palocci, nas entrevistas, mas sim, desvendar o que NÃO foi dito. O importante não é saber que o “serviço” foi faturado e a receita oferecida à tributação, mas em saber que tipo de serviço foi esse, para quem foi prestado e quanto custou cada um deles. O fato de tributar a receita não significa que esta tem origem legal. A legalidade ou não, vai depender do produto que foi vendido, pra quem e a que preço.
    Penso que, por mais valorizado que seja o conhecimento de um ex-ministro da Fazenda, não é suficiente para alcansar o preço que parece ter sido cobrado. O alto preço do serviço nos leva a crer que o consulente recebeu muito mais do que meros conselhos de natureza econômica, influenciado pela posição do consultor. Estes conhecimentos não são detidos com exclusividade pelo consultor; há vários outros, muito bem estruturados no mercado, com verdadeira empresas de consultorias, dispondo de fontes fidedignas e analistas setoriais especializados. Enfim, acho que esta é a questão. É isso que o ex-ministro-consultor deveria explicar, ao Ministério Público e à patuléia.
    Parabéns, mais uma vez, pela qualidade de seu texto.
    Abraços.

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  2. Também não acredito nessa mágica do gaúcho, mas acho que é muito menos constrangedora do que o espetáculo daqueles engravatados aplaudindo de pé o discurso de Palocci, na entrega do cargo que ele tão mal exercia – ou alguém já se esqueceu da derrota do governo na votação do Código Florestal? – a entrega compulsória à senadora do Paraná. Para não falar da voz embargada da presidente Dilma a agradecer a colaboração do ex-ministro ao seu governo. Tamanhas hipocrisias desmerecem ainda mais os políticos e seus apaniguados. Não creio que fiquei sozinho na minha indignação ao assistir pela TV aquele espetáculo de indignidades. Um espetáculo gratuito, a menos que todos eles quisessem no futuro uma participação na rendosa consultoria de Palocci.

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  3. Pois é José, você não ficou sozinho em sua indignção, não. Triste ver o amontoado de incompetências subrogando-se nos cargos de funcionários públicos, para atender somente a seus vultuosos interesses privados. E se ficamos indignados é porque ainda cremos na existência de homens públicos. Será que ainda os há? Porque os que se apresentam, são apenas restos de atores, fingem bem, mais nada.
    Mas não percamos a fé e a esperança.
    Abraços.

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  4. Dois parágrafos do artigo de hoje do jornalista Alberto Dines no Observatório da Imprensa sobre o caso Palocci são antológicos:

    1. O Caso Palocci desvendou uma potência emergente, esperançosa, cheia de si e rigorosamente desamparada no plano moral. Esta terra exuberante está sendo transformada no cemitério da ética, necrópole da decência, sepulcrário do decoro, cova da probidade. Aqui está sendo construído um império do cinismo onde as malfeitorias são tipificadas no plano material, desvinculadas de qualquer aferição espiritual ou até mesmo estética – evaporou-se o conceito de sujeira, deformação ou aberração.

    2. Se o enriquecimento vertiginoso de uma autoridade não gera suspeição e, portanto, não merece ser investigado, se transferência de expertise (segredos) não equivale a tráfico de influência, se trabalhar simultaneamente para dois patrões não produz conflitos de interesses, então que se elimine do dicionário o termo deontologia e locupletem-se todos os mal-intencionados.

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