Terra Cinza (vulgo São Paulo): quando fugirei de ti?

Atrás da neblina, o Teatro Municipal. Bela vista da Terra Cinza. (Foto: CMC)

Na revista sãopaulo de duas semanas atrás o músico Edgard Scandurra, fundador do Ira!, disse a seguinte pérola:

“Viver em São Paulo é sempre planejar fugir.”

Depois da letra sacadíssima de Sampa, do Caetano, esta foi a melhor definição que já vi na vida sobre a Terra Cinza.

E olha que o cara é paulistano e ajudou a criar a banda mais paulistana que existe. Portanto, se ele pode falar isso, tou liberadíssima, do alto de minha mineiridade 😉

Desde que cheguei aqui, há quase três anos, tento entender minha relação com esta cidade. Como contei no post sobre o Belas Artes, já descobri o cinema, padaria, bar e loja de roupas favoritos. Já me adaptei.

Mas me adaptei como me adaptaria a qualquer cidade do mundo, porque sou meio adaptável. Moscou, Londres, Vancouver, qualquer cidade, gelada ou chuventa, é, no fundo, bem igual. O que a torna diferente são as pessoas, as relações e as memórias criadas a partir das pessoas, das relações e dos lugares. Mas falarei disso noutro post.

O que quero dizer é que, apesar de ter me adaptado, não sei se gosto de São Paulo. Sei que não desgosto daqui, que já entro no meu apezinho chamando ele de lar, que ando à vontade por qualquer bairro ou situação, que me viro para cobrir tudo direitinho nas páginas do jornal. Não desgosto mesmo. Mas gostar? Aí eu não sei.

Aqui tem muita chuva, o ar é muito poluído (sério, é de espantar olhar para o céu em dias secos, do alto de algum elevado), é muito triste a quantidade de moradores de rua, dos quais boa parte é formada por crianças esqueléticas capotadas sob um sol escaldante (o que indica o quanto estão dopadas), as desigualdades são mais gritantes (haja multimilionários!), tudo é geralmente caro (especialmente os aluguéis, de uns tempos pra cá), o trânsito é caótico, quando chove meu coração dispara e eu arrepio, imaginando as histórias tristes de enchentes que vou ouvir ou ler (e justo eu, que amava a chuva!), o metrô é lotado, o ônibus é lotado, é preciso marcar o buteco ou o cinema com horas de antecedência, as pessoas têm muita pressa o tempo todo e se irritam muito quando há uma demora de poucos minutos, há filas em todo lugar, até pra entrar num restaurante (jamais pegarei fila pra entrar em restaurante, me recuso!), os paulistas tendem a se achar mais importantes do que as demais pessoas (principalmente se elas forem nordestinas) e acham que não têm sotaque, meu! (mas têm cinco tipos de sotaque diferente) e eu já ouvi paulistas falando horrores das mineiras, irreproduzíveis neste blog de família que é incapaz de disseminar preconceitos gratuitos.

Enfim, como tudo o que é grande, São Paulo tem problemas maiores que nos outros lugares. São os mesmos problemas, mas eles são muito maiores e mais graves, porque envolvem muito mais milhões de pessoas.

Justamente por essa relativizada que dei no último parágrafo, e em respeito ao princípio de que toda generalização é burra, é que São Paulo também tem mais opções de feiras, de parques, tem um povo muito diversificado (o que é uma de suas maiores qualidades, essa gente de vários Estados que vem para cá por causa do mercado de trabalho aquecido, como o dos jornais, e é bem recebido na maior parte do tempo), os paulistanos são muito eficientes, práticos e educados, há menos gambiarras e elas tendem a ser mais criticadas, tem a melhor rede de metrô do Brasil, tem bairros com culturas de outros países, o que é muito massa, há várias opções culturais, os melhores shows da minha vida foram aqui (Paul, BB King, John Mayall, Queen), há opções de restaurante e qualquer outra coisa 24 horas por dia, inclusive nos feriados, há mais emprego, muitos recebem muito bem quem vem aqui trabalhar etc.

Enfim, tou dando uma de Sofia Coppola, mas o que eu quero dizer é que, como toda cidade, a Terra Cinza tem prós e contras muito grandes, proporcionais ao seu tamanho e diversidade, e isso dificulta a estabilidade da minha relação com ela.

Por isso, moro bem e feliz aqui, mas sempre pensando em fugir, como o irado cravou.

A questão é: fugir pra onde? Minha terrinha sempre estará na minha meta e sei que um dia, não muito tarde, voltarei a morar nela. O Rio também sempre me encantou, talvez por ter lido sobre trocentas gerações de escritores mineiros que o adotaram como segundo lar. E que mais há nesse mundão, que ainda mal conheço?

As outras cidades que me aguardem. Um dia fugirei de São Paulo, fugirei para o mundo e São Paulo e o mundo nunca mais fugirão de mim.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

16 comentários

  1. O pior eh que agora que morou fora de sua terra natal, estas fadada a sempre estar planejando uma fuga… Seja de onde estiver! Nao eh praga nao. Eh que morando no terceiro pais diferente, na setima cidade diferente, uma coisa eu aprendi. Uma vez que a gente sai pelo mundo, lugar no mundo nao teremos mais. O que eu quero dizer eh q seja onde estiver, estara faltando alguma coisa, sabe? Estando em SP, sente falta das coisas que gostava em BH, quando estiver em BH vai sentir falta das melhores coisas de SP, e qdo estiver no Rio vai sentir falta das qualidades de SP e BH! A gente se torna um pouco mais critica, um pouco mais insatisfeita, incomodada, sei lah… Mas nao tem como nao ser assim. Nossos horizontes se expandem quando moramos fora do ninho. A gente sai pelo mundo e o mundo fica dentro de nos.

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  2. A pior coisa em fugir de São Paulo é a falta que a cidade te faz!
    Eu tenho uma relação de amor e ódio com a cidade, moro na região metropolitana e não na capital. O primeiro emprego que tive eu era recepcionista de um escritório de advogadas malévolas (estilo Diabo Vestes Prada total) que me mandavam perambular pelo centro da cidade para onde quer que elas quisessem… Daí eu via de tudo na rua, e eu tinha muito medo, não estava acostumada com nada disso.
    Era tudo feio e sujo, tudo que eu achava lindo e histórico!
    Quando todo esse tormento acabou, eu senti falta…
    Falta da cidade, das pessoas bem educadas, dos cafés e restaurantes (principalmente, hehe) daí agora que sou escraviária trabalho na memsa região e vivo levando o pessoal pra almoçar nos melhores lugares que conheço ali no centro!
    =D

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  3. E eu, que sou paulistana “da gema”, moro aqui há 27 anos, e quero fugir? Justamente por essas razões que você disse… se há uma palavra que definitivamente não se ajusta à essa cidade é “paz”. Acho que está mais pra “caos”.

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  4. Cris, querida! Me conte para onde fugir! rs
    Eu também tenho o mesmo pensamento…
    Sampa é uma terra cheia de atrativos, onde se pode viver muitas experiências, além de ter várias coisas para fazer, conhecer, crescer…
    Mas é cansativa demais. Existem pessoas atravessando a cidade, às vezes por 2 horas no trajeto de metro, ônibus; de casa para o trabalho, do trabalho para a faculdade, da faculdade para casa… Falo como paulista da gêma que sou! E quando chove? Alivia o “cinza” da poluição, mas em consequência, pára tudo!
    Um dia, durante uma das minhas experiências num dia de chuva nessa cidade, escrevi: “São Paulo, São Paulo! És boa terra… Mas um dia te deixo com sua grandeza e corro ao encontro do que me acalme.” rs

    Uma boa alternativa é a cidade de São Carlos, interior de Sampa… Já está em meus planos!

    Beijos! =)

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    1. Pois é, corre-se demais aqui! A gente parece que vive pra trabalhar, que é impossível desligar a pilha. Apesar de meio hiperativa, às vezes sinto falta do sossego… Mas tb não sei se consigo morar em cidade pequena hoje em dia…
      Façamos assim: quem descobrir a melhor fuga primeiro conta pra outra! 😉
      bjos!

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  5. Cris, só agora com mais calma retomo para comentar.

    Achei brilhante o Scandurra dizer “Viver em São Paulo é sempre planejar fugir”. E sonhar com a volta, um dia, talvez. Não sei, às vezes sinto isso. Eu que saí de SP há 11 anos para morar em Salvador penso constantemente na escolha que eu fiz – houve motivos familiares, mas eu tinha um poder de escolha.

    Escolhi a fuga. Não posso dizer se me arrependo ou não, porque em Salvador ainda me sinto um estrangeiro e não morro de amores pela capital baiana – as razões são inúmeras, mas não irei desenrolá-las por aqui. Mas ao mesmo tempo não sei se voltaria a morar em SP. Da última vez que eu estive na cidade ( há 3 anos – preciso voltar!) achei tudo um tanto estranho…diferente. Claro, as coisas mudam, o que existe é o agora. Senti-me acolhido e rejeitado ao mesmo tempo, tipo “venha para passear e passar um tempo, mas você abandonou seu torrão natal, te vira por lá na tua nova morada”.

    E eu acho que com o passar do tempo estou menos urbano do que já fui e com desejo de vida do interior. Aqui pelo litoral baiano tem umas cidadezinhas bem simpáticas e acolhedoras (diferente da capital…uh!), quem sabe? rs

    Bj paulistano/soterô 🙂

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  6. Quando minha mãe disse pra irmos passar um ano morando nos EUA, quando eu tinha 14 anos, não quis de jeito nenhum. Alias, fui a única da família que nunca fez intercâmbio. Quando me formei, ainda sem expectativa de emprego, mandei currículo pros quatro cantos do pais, repetindo pra mim mesma que teria que aceitar qualquer proposta, e respirei aliviada quando fui contratada aqui mesmo, duas semanas depois. Agora, com filha pequena que não me vejo mesmo encarando o desconhecido das terras cinzas. Sei não, acho que meu “umbigo esta enterrado aqui”…. Prefiro viajar, conhecer e voltar pra minha rotina segura, ainda que imperfeita.

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